Brasília não nasceu apenas dos traços de Lúcio Costa ou das linhas arquitetônicas de Oscar Niemeyer. Foi erguida por mãos anônimas, de homens e mulheres que vieram de diferentes partes do Brasil, e que, por muito tempo, ficaram invisíveis na narrativa oficial da capital federal.
Essa memória é resgatada pelo Museu Vivo da Memória Candanga (MVMC), abrigando um acervo de objetos, documentos e depoimentos dos trabalhadores que participaram da construção da cidade. O espaço tem promovido visitas mediadas provocando uma aproximação com o público da história de Brasília por meio de uma perspectiva afetiva e crítica.
O projeto educativo do MVMC, é realizado pelo Núcleo de Arte do Centro-Oeste (Naco), organização da sociedade civil que se dedica a realização de ações culturais no Distrito Federal e em Goiás, com financiamento do Fundo de Apoio à Cultura do DF.

Histórias que não cabem nos monumentos
A curadoria do Museu e das visitas mediadas busca ir além da narrativa oficial, centrada em políticos e arquitetos. Para Carolina Menezes Palhares, coordenadora pedagógica do projeto a mediação permite trazer à tona outros olhares:
“A história sobre Brasília costuma ser contada pela ótica de JK, de Niemeyer e de Costa. Mas o museu mostra que os planos para a nova capital começaram no século XIX, e que essa história só se concretizou graças aos operários, aos candangos, às mulheres e às populações negras que construíram a cidade em condições duras de trabalho e moradia.”
As exposições como Poeira, Lona e Concreto e A Importância da Mulher na Construção da Nova Capital, evidenciam o esforço coletivo e ressaltam a participação de grupos historicamente apagados, por meio de objetos históricos, fotografias e documentos revelam trajetórias invisibilizadas: a jornada exaustiva dos candangos, as origens do termo “candango” e o papel do Quilombo Mesquita no abastecimento dos canteiros de obra. Mediadores incentivam debates sobre ausências nas narrativas oficiais, como a contribuição negra e feminina.
A memória afetiva de Brasília, segundo Palhares, não pode ignorar o papel das mulheres e da população negra. “As mulheres não estavam apenas no cuidado dos lares. Elas foram arquitetas, enfermeiras, comerciantes, motoristas de caminhão, professoras. Já a população negra, que representava quase metade dos pioneiros, atuou como pedreiros, pintores, engenheiros, auxiliares de topografia. No entanto, aparecem pouco nos registros históricos. Por isso, é importante valorizarmos a contribuição dessas pessoas para a construção da capital do país.” explica a coordenadora pedagógica do projeto.
Outro ponto fundamental trabalhado nas mediações é a memória do Quilombo Mesquita, comunidade que já existia antes da construção da capital e que forneceu alimentos e trabalhadores para os canteiros de obras.
“O acervo físico do museu não aborda diretamente os povos que habitavam o território antes da fundação de Brasília, mas no projeto educativo pesquisamos bibliografias que trazem a história do Quilombo Mesquita. Essa comunidade resistiu à violência da ocupação e, até hoje, enfrenta a especulação imobiliária e a redução de seu território.”
A visita também aborda algumas versões da origem do termo candango, que advém da palavra kimbundu, língua africana, que significava invasor ou traidor. Em Brasília, virou sinônimo dos operários, em contraste com os chamados pioneiros, como engenheiros e arquitetos.
“Candango era pioneiro, mas pioneiro não gostava de ser chamado de candango. Nas gerações seguintes, alguns brasilienses passaram a se autointitular candango como uma forma de homenagear as milhares de pessoas que ergueram Brasília”, diz ela.
Do concreto ao afetivo: um convite à reflexão

As visitas não se limitam a apresentar o acervo. Elas promovem atividades interativas, como a construção de “malas afetivas” e a criação de linhas do tempo pessoais por adolescentes, assim como a recriações artísticas de paisagens do Cerrado. O objetivo é estimular a reflexão sobre a própria história e a conexão com o lugar em que se vive. “Perguntas como ‘Que espaços da sua comunidade merecem ser preservados?’ ou ‘Como reduzir o racismo na cidade?’ colocam o visitante como agente ativo dessa memória”, aponta a equipe do museu.
Em 2024, o MVMC recebeu mais de 25 mil visitantes ao longo do ano. Os meses com maior fluxo foram junho, com 4 006 visitas, e agosto, com 3 163 visitas.
Serviço:
Visitas Mediadas ao Museu Vivo da Memória Candanga
Gratuitas para grupos (escolas, universidades e demais instituições públicas e privadas)
Agendamento: https://calendar.app.google/VfkoA32x5bn1G9iz8
Informações: [email protected]
Funcionamento: segunda a sábado, das 9h às 17h
Local: Lote D Setor Juscelino Kubistchek, CEP: 71739-020 Núcleo Bandeirante, Brasília-DF.
O museu também garante acessibilidade com passarelas conectam edificações, há vagas para PcD e intérprete de Libras. O espaço oferece auditório, pavilhão de exposições, parque infantil e bosque.