Na semana em que a Lei de Anistia de 1979 completa 46 anos, o debate sobre seu papel histórico volta à tona em meio à tentativa de parlamentares de conceder anistia aos envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. Para o jurista Marcelo Uchôa, doutor em Direito Constitucional e conselheiro da Comissão de Anistia do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, a comparação entre os dois processos é “absolutamente contraditória”.
“Anistia é um conceito que deve se aplicar a quem é perseguido injustamente, e não a quem persegue. E o que hoje se busca no Brasil não é propriamente a anistia. O que hoje busca-se no Brasil é a impunidade”, afirma o especialista, em entrevista ao Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato.
Ele lembra que em 1979 houve pressão popular, da imprensa e de setores religiosos para que presos políticos fossem libertados e os exilados pudessem retornar. “Naquela época, se buscou uma anistia para garantir a liberdade, o retorno à democracia. Dessa vez, as pessoas querem anistiar aqueles que atentaram contra a democracia. É absolutamente contraditório e inverso o sentido do que se busca hoje”, destaca.
O jurista classifica a atual proposta como um “PL da impunidade”. Ele lembra que a lei de 1979, no entanto, também blindou militares responsáveis por crimes da ditadura. Essa impunidade, na sua avaliação, tem relação direta com a tentativa de golpe recente. “Foi o fato da lei de anistia de 79, que foi uma vitória popular, de certa maneira, ter imunizado aqueles militares que cometeram os crimes de lesa humanidade e contra os direitos humanos naquela época, os mesmos que em janeiro de 2023 tentaram a trama golpista”, diz.
Para Uchôa, isso acontece porque a falta de punição adequada incentiva novas violações. “Uma não punição adequada faz com que as pessoas, com o tempo, se esqueçam da gravidade dos crimes cometidos. Por isso tem que ter a punição, porque também tem a ver com a lembrança que nunca mais aconteça uma tentativa de golpe, uma ditadura como aconteceu”, explica.
O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou nesta segunda-feira (2) o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e militares acusados de tentativa de golpe de Estado. Para o jurista, as provas contra os réus são consistentes, portanto, a chance de absolvição é “mínima”. “A pena tem que ser exemplar, porque cabe ao Judiciário Nacional deixar bem claro que atentar contra a democracia brasileira é um crime de lesa pátria, como também é um crime atentar contra a soberania, que está sob investigação e que será depois apurado”, defende.
O conselheiro também classifica as ações recentes do deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-RJ) no exterior, em articulação com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, como uma continuidade da tentativa de golpe. Para ele, trata-se de uma postura “antipatriótica”. “Estamos vendo agora uma segunda fase dessa tentativa de golpe, que é Eduardo Bolsonaro no exterior tentando impor sanções contra o governo brasileiro, agindo de forma antipatriótica para obrigar a Justiça a garantir a soltura do pai, que é o protagonista, o principal autor de todas essas acusações”, critica.
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