A professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) Alê Teixeira Primo foi coroada na quarta-feira da semana passada (27) como a ‘Miss Universe Trans Brasil Ladies’, um título de beleza, representatividade e orgulho. Ela foi eleita, em julho, como vencedora da edição nacional do concurso de beleza dedicado a pessoas trans. Na categoria Ladies, voltada a mulheres trans com mais de 40 anos, a docente se destacou como representante do Rio Grande do Sul entre as candidatas de todo o país. Sua vitória a credencia, agora, a levar o nome do Brasil ao palco internacional do “Miss Universe Queen”, que será realizado em 7 de dezembro, na Índia, segundo informa a Ufrgs.
Professora da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação (Fabico) e doutora em Informática na Educação, Primo tem 55 anos e garante que participou do concurso por uma posição ativista da causa trans. “Pra mim nunca foi um concurso pra suprir uma vaidade ou pra buscar uma maior autoestima, mas sim uma nova etapa da minha vida, uma etapa de ativismo, em que eu possa manifestar e utilizar essa visibilidade da coroa pra trazer evidência para a causa as pessoas trans, principalmente para as maduras e idosas”, aponta.
A noite de competição no Teatro Unisinos contou com a realização das quatro principais categorias do concurso: Principal (para mulheres acima de 18 anos), Ladies (para mulheres acima de 40 anos), Plus size (para mulheres de qualquer idade com manequim acima de 44) e categoria Masculina (para homens trans acima de 18 anos). Dentro das quatro categorias, foram selecionados os quatro competidores brasileiros que viajam para a Índia no final do ano. Entre eles está o também gaúcho Matheus Moraes Amaral, eleito Mister Universe Trans Brasil.
Para a professora, o concurso foi difícil porque “vai muito além da beleza física”. “Pra mim, foi inacreditável, nesta idade, receber uma premiação deste porte”, contou. Acadêmica, doutora e nome de referência na formação de comunicadores no estado, ela informa que transicionou há pouco tempo, aos 51 anos.
“A mudança foi tranquila, teve aceitação de alunos, colegas e familiares, tudo no período correto, obedecendo a ética e o respeito a quem pensa sobre este assunto. Posso trazer a coroa desse concurso global. É um sonho recente que eu estou podendo realizar na minha maturidade”, afirma ela. “Eu sou uma mulher. Sempre fui.”
Vencer preconceitos: “duro, corajoso, mas revigorante”
Em 2023, ela contou para a repórter Larissa Roso que aproveitou o isolamento e a introspecção da pandemia para promover uma grande transformação: abandonou a identidade de homem e se assumiu como mulher transexual. É formada em Publicidade e Propaganda (PP) e Jornalismo, professora do curso de PP e do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Ufrgs, além de atuar em eventos ligados a questões de gênero.
Por mais de 50 anos foi um ‘gaúcho de cavanhaque”, segundo se definiu, depois dos procedimentos. Diz que se sente outra pessoa e comprometida com um mundo mais compreensivo e democrata. Defende educação pública.
“Vencer todos os preconceitos foi duro, corajoso, mas revigorante”, afirma. “Assumi, depois de 50 anos, uma briga, metafórica, com Deus. Na verdade, com religiões fundamentalistas e com toda a sociedade – leia-se também cultura. Por isso demorei tanto para poder me aceitar e assumir realmente a minha identidade e o meu destino”, afirmou. Na nova identidade adotou o nome de Alessandra, “um nome poderoso, mas todo mundo me chama de Alê”.
Conta que, desde quando era um menino pequeno, gostava de usar roupas femininas, sempre sozinho, escondido. “Hoje em dia se tem mais clareza sobre isso. Ninguém decide brincar de outro gênero. Tem muitos riscos, de vida, inclusive. Desde criança, tem experiências, brincadeiras. Tem meninos que colocam toalha na cabeça para parecer cabelo comprido. Eu colocava sabonete nas unhas durante o banho para parecer que era esmalte, me depilava, usava sutiã da minha mãe. Hoje se tem mais respeito por estas questões de gênero”, afirma.
“A mudança foi uma questão de saúde mental, conforme me orientaram especialistas”, diz Alê Teixeira Primo. “Logo na segunda sessão, eu já estava com roupa feminina, ainda que com cavanhaque. Comecei a me preparar para contar para minha então esposa e para minha filha. Isso foi feito com muita lentidão, muita preparação. E depois contei aos pais”, uma tarefa mais demorada e que exigiu mais coragem e força. “Agora, estou feliz e é isso que importa”, conclui.