Durante encontro no Recife, lideranças populares, sindicais, religiosas e políticas de Pernambuco foram uníssonas ao destacar a oportunidade que a sociedade civil e a esquerda tem, no momento, de pressionar o Congresso Nacional a entregar conquistas que afetem a vida da classe trabalhadora: a redução da escala de trabalho (6 por 1) e da jornada de trabalho (de 44 horas), a isenção de imposto de renda para quem tem salários de até R$ 5 mil e a elevação do imposto para os que têm renda mensal acima dos R$ 50 mil. E o instrumento para viabilizar esta pressão é o Plebiscito Popular.
A avaliação foi feita durante a audiência pública Plebiscito Popular 2025: participação democrática, justiça social e o futuro do trabalho e da tributação no Brasil, realizada na última segunda-feira (1º), na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe). O encontro foi convocado conjuntamente pelos deputados Rosa Amorim (PT), Dani Portela (Psol), João Paulo (PT) e Doriel Barros (PT), tendo convidados de diversos setores da sociedade civil.
O Plebiscito Popular é uma campanha, conduzida pela sociedade civil, para dialogar com a população e pressionar as autoridades políticas do país. A votação pode ser realizada em urnas físicas (veja aqui), mas também através de link online (clique aqui).
A deputada Dani Portela (Psol), ressaltou que aquele grupo de parlamentares é uma “exceção à regra nos parlamentos”. “Podemos contar nos dedos os que são oriundos da classe trabalhadora, que não são filhos, netos ou esposas de alguma família que está na política há muito tempo. A política não foi feita para chegarmos aqui. Mas é uma bancada como essa que faz com que esses temas sejam colocados como prioridade”, pontuou Portela. A deputada completou citando a urgência das mudanças nas jornadas de trabalho. “Cerca de 30% da classe trabalhadora enfrenta a síndrome de burnout. Em 2024 foram 300 mil casos”, destacou.

Nascida num assentamento do MST, a deputada estadual Rosa Amorim (PT) disparou contra o Congresso Nacional. “Temos um Congresso anti-povo, por isso as pautas que garantem mais qualidade de vida à classe trabalhadora não avançam. O Plebiscito chama o povo à participação e ajuda a explicar que precisamos ampliar a representação popular no Congresso, mostrar que o Brasil pertence a uma maioria trabalhadora, não a uma elite privilegiada”, fustigou a parlamentar, que cogita disputar uma vaga na Câmara Federal em 2026. “O Congresso atual está ao lados dos ricos, bilionários, defendendo suas fortunas. Mas quando se trata de melhorar a vida do povo, prevalece a inoperância e a lentidão”, completou a sem terra.
Agricultor, oriundo do sindicalismo rural, o deputado Doriel Barros (PT) lembrou que esta não é a primeira vez que um plebiscito popular pode ajudar a dar voz à classe trabalhadora. “Não podemos mais aceitar que os mais pobres paguem pelo conforto e luxo dos que vivem de jatinho. Temos que fazer justiça e também diminuir essa escala de trabalho doentia, que faz mal ao nosso povo. Temos uma oportunidade importante e a luta popular é o caminho. Já enterramos a ALCA (2005) com 10 milhões de pessoas votando, além de outros temas de interesse da população”, recordou Barros.
O líder estudantil João Mamede, presidente da União dos Estudantes de Pernambuco (UEP), avaliou que as forças de esquerda precisam encontrar caminhos para que superem a dependência das alianças com forças conservadoras. “O que temos hoje não é capaz de derrotar historicamente a extrema-direita. Temos que ir além e apresentar para a classe trabalhadora uma perspectiva de mudança de vida, uma alternativa de desenvolvimento que dê conta de reacender a esperança num futuro digno. E não conseguiremos isso sem enfrentar os ricos”, disse Mamede. “O Plebiscito vai às ruas para conquistarmos a maioria social e reposicionar o povo na política”, completou.

Dirigente do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Vitória Genuíno reforçou que é papel dos movimentos fortalecer o Plebiscito e “aquecer as ruas, para dar força e subsídio para os parlamentares de esquerda levarem as nossas pautas”.
O líder sindical Fabiano Moura, presidente do Sindicato dos Bancários, refletiu sobre o desafio de resgatar o debate das relações de trabalho num momento histórico em que a própria classe trabalhadora CLT. “Muito trabalhador assalariado acha que não devemos dar isenção para quem recebe até R$ 5 mil e nem taxar os super-ricos. Acham que somos ‘colaboradores’. Mas nós vendemos nossa força de trabalho. O empresário não nos dá emprego, ele compra nossa força de trabalho”, disse o bancário.
Representando a Arquidiocese de Olinda e Recife (AOR), o sacerdote católico Édson André usou o exemplo da vida de Jesus de Nazaré para defender as bandeiras presentes no Plebiscito Popular. “Ele não viveu fechado em templos e palácios, mas nas estradas, margens, povoados esquecidos, ao lado dos trabalhadores, enfermos, mulheres e crianças. Sua vida é o testemunho de que o reino de Deus começa quando a dignidade dos últimos é respeitada em todas as dimensões”, discursou.

O padre ressaltou que a posição da arquidiocese é ancorada em três pilares: o Evangelho, a doutrina social da Igreja Católica e a esperança plantada pelo Papa Francisco. “O trabalho deve estar a serviço da vida, não a vida a serviço de um sistema injusto, desigual e explorador. A Igreja iluminada pelo Evangelho insiste que o trabalho não é mercadoria, mas vocação. (…) A redução da escala 6 por 1 é uma necessidade ética para que o trabalhador viva sua vida comunitária, familiar, espiritual e social. (…) A dignidade humana está acima do lucro”, defendeu o sacerdote, que é membro da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
A economista Milena Prado, do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), destacou as potenciais vantagens da redução da jornada e escala de trabalho. “Essa medida tem potencial de gerar mais de 3,5 milhões de empregos. O Brasil tem hoje 18 milhões de mulheres fora da força de trabalho, em parte pela ausência de políticas de cuidados. Se pensada junto à divisão justa do trabalho não-remunerado dentro de casa, a redução da jornada pode aproximar as mulheres do mercado de trabalho”, analisou.
Mesmo destaque feito pela coordenadora do Fórum de Mulheres de Pernambuco, a cientista política Natália Cordeiro. “O trabalho não remunerado feito pelas mulheres sustenta o mundo produtivo. A família também é lugar de trabalho para as mulheres, então nessa escala 6 por 1, esse um das mulheres é para fazer trabalhos que acumularam durante a semana”, disse ela, reforçando a necessidade de divisão justa dos trabalhos domésticos.

O deputado e ex-prefeito do Recife, João Paulo (PT), avaliou que a iniciativa do Plebiscito Popular é uma reação da classe trabalhadora às injustiças vividas hoje. “Ninguém ganha R$ 1 bilhão sem que seja fruto da mão de obra e do trabalho intelectual dos trabalhadores, que são quem verdadeiramente construiu a riqueza do nosso estado. Por isso a taxação dos super-ricos é fundamental para garantir uma maior distribuição desta riqueza”, disse o ex-prefeito. “O Plebiscito está deste lado, dos indígenas, dos negros, quilombolas, dos trabalhadores organizados do campo e da cidade”, completou.
A professora Luciana Grassano, especializada em direito tributário e que leciona na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), lembrou que “um sistema fiscal só pode ser considerado ético mediante três condições: 1. leis simples, compreensíveis, justas e equitativas; 2. todos, sem exceção, devem cumprir suas obrigações fiscais regularmente; e 3. a redistribuição da receita dos impostos deve se submeter a critérios políticos claros e transparentes”, explica.
Para ela, o imposto de renda de pessoa física (IRPF) é um exemplo evidente que o sistema fiscal do Brasil não é ético. “Não é justo tributar mais o rendimento do trabalho que o rendimento do capital, desonerando rendas vultosas e oprimindo rendas pequenas”, criticou. “O problema no Brasil não é uma suposta carga tributária elevada, mas a distribuição que é injusta”, completou.
Também discursaram na audiência pública a professora e dirigente da Central dos Trabalhadores do Brasil (CTB) e do Sindicato dos professores municipais do Recife (Simpere); o metalúrgico Hélcio Alfredo, representando o Fórum das Centrais Sindicais e diretor CUT e do Sindmetal.
