Povos de terreiro, indígenas Tupinambás, pescadores e marisqueiras realizaram uma manifestação nessa segunda-feira (1º) na rodovia BA-532, em frente à comunidade de Barro Branco, em Itaparica, Região Metropolitana de Salvador (BA). A comunidade denuncia a construção de um empreendimento imobiliário que pode ameaçar a região do Tuntum Olukotun, terreiro reconhecido como Patrimônio Cultural Material do Estado e que tem o culto mais antigo aos ancestrais Egúngún em atuação no país.
Com cartazes exigindo respeito ao legado do terreiro e apontando o racismo ambiental, os manifestantes afirmaram que o projeto planejado seria um complexo habitacional do programa federal Minha Casa, Minha Vida. A suspeita surgiu após o anúncio de que o município teria sido contemplado com novas unidades habitacionais do programa.
Lideranças do terreiro, contudo, afirmam que a construção da ponte que liga Salvador à ilha de Itaparica tem sido um dos principais fatores que aumentaram a especulação imobiliária na região e estão colocando a área sob constante ameaça. O local é considerado sagrado pelos seus frequentadores.
“Para nós foi um grande susto quando existiu a probabilidade de construção imobiliária desmatando áreas verdes, devastando terreiros de Baba Egun. Esse espaço foi ameaçado por causa da especulação imobiliária, por causa da construção da ponte que vem gerando cobiça do mercado imobiliário”, denuncia Mãe Dedea Odelessi.

Durante a mobilização, representantes das entidades reforçaram a exigência do cumprimento do Estatuto da Igualdade Racial e de Combate à Intolerância Religiosa do Estado da Bahia (Lei nº 13.182/2014), e disseram que a preservação do local não está em negociação.
“Essa ação é pra revelar que os governos municipais e do estado não estão dialogando com respeito aos povos que sempre estiveram neste território. Além de ações no MP [Ministério Público] e fóruns competentes, estaremos nos alinhando com os movimentos sociais pra levar informações sobre os direitos dos povos de comunidades tradicionais da ilha, a fim de fortalecer e empoderar os moradores para fazerem o enfrentamento e lutar pelo seus direitos”, salienta Rafael Tamandaré, presidente da Associação de Moradores, Pescadores e Marisqueiras de Itaparica (AMPMI).
Ainda na segunda-feira, o Ministério Público Federal (MPF) instaurou um Inquérito Civil Público para apurar “as ameaças ao Terreiro Tuntum Olukotun, no que se refere ao risco de violação de direitos territoriais e culturais da comunidade tradicional”. No documento, o procurador Marcos André da Silva determina que o Ministério das Cidades e o município de Itaparica esclareçam as alegações sobre o empreendimento do Minha Casa, Minha Vida na área do terreiro em até dez dias.
O Brasil de Fato entrou em contato com o Ministério das Cidades e com a Secretaria de Desenvolvimento Urbano (Sedur-BA), mas ainda não teve retorno. O espaço segue aberto.
Já a Prefeitura Municipal de Itaparica publicou nota por meio das redes sociais negando que os terreiros e comunidades tradicionais serão afetados pelo empreendimento. Segundo o documento, o planejamento do projeto estabeleceu “uma faixa territorial de preservação ao redor dessas áreas sagradas, garantindo que as novas construções não avancem sobre o entorno imediato dos terreiros”.
Importância ancestral

Fundado em 1850, o Terreiro Tuntum Olukotun é reconhecido como a casa de culto aos ancestrais Egúngún mais antiga ainda em atividade no Brasil. Sua história está profundamente enraizada na preservação da memória africana, sendo um espaço de resistência cultural, religiosa e comunitária. O espaço se localiza em um território sagrado em área de Mata Atlântica preservada, que também abriga outros terreiros tradicionais.
“Desde 1850, esse terreiro existia aqui como culto a Baba Olokutun. É um terreiro que foi passado de geração pra geração, já existem tataretos desse processo de resistência” destaca Miguel Roque, Sobaloju do Tuntun.
Em 2022, o espaço sagrado passou a ser considerado Patrimônio Cultural Material do Estado. À época, o Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac) disponibilizou cerca de R$ 100 mil para contratação de projeto de restauração arquitetônica para o local.