“Foi uma comemoração contra o fascismo”, disse Celso Amorim, assessor especial da Presidência da República para assuntos internacionais, ao Brasil de Fato, sobre o desfile militar que marcou o 80º aniversário da vitória na Guerra de Resistência do Povo Chinês contra a Agressão Japonesa e na Guerra Mundial Antifascista, como a China chama a Segunda Guerra Mundial.
O embaixador deu uma entrevista coletiva para mídias brasileiras na capital chinesa nesta quinta-feira (4), em Pequim. Ele foi um dos três brasileiros a participar do desfile militar. Os outros dois foram Dilma Rousseff, como presidenta do Novo Banco de Desenvolvimento, e o embaixador brasileiro na China, Marcos Galvão.
Celebração contra o nazifascismo
Celso Amorim disse que ficou contente por ver que havia um ex-primeiro-ministro do Japão no desfile militar. “Não é algo contra o Japão, é contra o fascismo, contra o nazismo, que estava na Europa e aqui”, disse o embaixador.
O ex-chefe de governo japonês presente no desfile foi Yukio Hatoyama, que exerceu a função de primeiro-ministro de 2009 a 2010.
“Claro que cada um pode ter sua versão de democracia, mas nós defendemos governos mais representativos do povo, e não agressivos”, disse.
O diplomata destacou que ficou “muito impressionado” com o desfile.
“Gostei muito dos pombos no final, [a celebração] é por um tipo de paz, você tem que estar preparado para se defender, para garantir a paz”, expressou. O desfile na Tian’anmen, na quarta-feira (3), foi encerrado com a soltura de 80 mil pombas.

“A China foi humilhada desde o século 19 por países ocidentais, e você ver o poderio que foi mostrado ontem (…) Eu fico muito impressionado com a determinação do povo de afirmar sua independência, de afirmar sua dignidade”, disse o embaixador.
Carta para Xi
O diplomata brasileiro teve um breve encontro com o presidente chinês Xi Jinping, que confirmou a participação dele na reunião online dos Brics no dia 8 de setembro, a qual foi convocada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para discutir as tarifas unilaterais impostas pelo governo de Donald Trump a um grande número de países.
Após a coletiva, Amorim se reuniu com o ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, a quem entregou uma carta do presidente Lula a Xi Jinping. Celso Amorim esteve no desfile a convite de Wang Yi.
Segundo o diplomata, na carta, Lula “reforça a importância da cooperação Brasil-China nesse novo contexto em que o sistema multilateral está em pedaços”.
A ideia da carta foi destacar que “o comércio é importante, mas não é só comércio, é investimento, com transferência de produção para o Brasil” e reforçar a “cooperação financeira que está sendo desenvolvida para enfrentar qualquer instabilidade”.
Na reunião, os diplomatas discutem também a “questão da Ucrânia e de Israel”.
“Sistema multilateral está em frangalhos”
Consultado sobre a recente Iniciativa de Governança Global, lançada na 25ª Cúpula da Organização para Cooperação de Xangai, o embaixador afirmou que ainda não teve tempo de analisá-la, mas disse que “falar em uma iniciativa de reforma da governança global é música para os nossos ouvidos”.
“É o que nós temos defendido, dentro da visão de tornar as organizações mais representativas, que correspondam mais às necessidades do Sul Global”, explicou o brasileiro.
Além dessa necessidade, Amorim afirmou que há um problema maior, que é o sistema multilateral “em frangalhos”.
“A Organização Mundial do Comércio [OMC] é como se não existisse”, lamenta. “Os norte-americanos, em notas da Casa Branca e artigos, põem dúvidas a essas normas. Dizem que as instituições têm ‘vagas aspirações’”, relata. O embaixador lembra que “são instituições que eles mesmos criaram com empenho”.
Amorim se refere, neste último caso, a um artigo publicado no The New York Times pelo representante comercial dos Estados Unidos Jamieson Greer, que culpa a OMC por torná-la a “maior vencedora” e por causar perda de empregos.
Greer defende que o acordo EUA-União Europeia deve estar “orientado para atender a interesses nacionais concretos, em vez de aspirações vagas de instituições multilaterais”.
Tarifaço
Celso Amorim critica o fato de que o governo Trump está impondo questões políticas em negociações comerciais. “Os empresários brasileiros, que foram ao Estados Unidos, disseram que é possível negociar, mas não é uma negociação econômica, mas, sim, política”.
O diplomata classifica isso como “assustador”. “A carta do presidente Trump para o presidente Lula estava nas redes sociais antes de chegar ao conhecimento do presidente Lula, e ela coloca questões que são políticas, e são inegociáveis”, diz.
Ele afirma que o Brasil tem toda a disposição de negociar comercialmente, inclusive fazendo algumas concessões, como responder aos questionamentos da Seção 301 da Lei de Comércio dos EUA. Amorim afirma que é uma concessão que o Brasil tem feito, pois se trata de um mecanismo unilateral.
“Mas se os termos são políticos, fica difícil”, lamenta.