Com a proposta que planeja extinguir a escala 6×1 no Brasil em discussão no Congresso Nacional, a possível redução da jornada de trabalho voltou ao centro do debate público no Brasil. Defensores da medida afirmam que a mudança pode beneficiar não apenas os trabalhadores, mas também a economia, ao gerar novas vagas e melhorar a produtividade.
Segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 2023, a média de horas semanais trabalhadas no Brasil foi de 39h, abaixo da média de países como Índia (47), China (46) e México (44), mas ainda acima de nações como Alemanha (34), Austrália (32) e Canadá (32). Em vários desses países, já estão em curso experiências com modelos mais flexíveis, como a escala 4×3, ou seja, quatro dias de trabalho e três de descanso.
“A luta pelo fim da escala 6×1 é uma pauta muito importante do mundo do trabalho. A gente vive tempos de muitos retrocessos nos direitos trabalhistas. Talvez seja a primeira vez em muitos anos que uma pauta positiva ganha uma expressão e um debate público que chega praticamente em todas as pessoas”, reforçou, durante audiência pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), a deputada estadual Bella Gonçalves (Psol).
Impactos sobre setores da economia
Frederico Melo, economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), em entrevista ao Brasil de Fato MG, explicou que setores como agricultura, construção e comércio são os que concentram mais trabalhadores com jornadas superiores a 40 horas semanais.
“Essas áreas seriam as mais impactadas pela redução, mas não estão isoladas. Indústria, transportes, alojamento, alimentação e serviços domésticos também possuem altos índices de sobrecarga de horas”, detalha.
Para Melo, os argumentos de parte do empresariado de que a mudança traria demissões e perda de produtividade não se sustentam e são uma ‘falácia’.
“Na prática, trabalhadores mais descansados têm mais saúde e conseguem entregar mais. O fim da escala 6×1 representa um ganho individual, familiar e social, com reflexos inclusive no SUS, que hoje lida com uma explosão de adoecimentos mentais relacionados ao trabalho”, afirma.
Redução da escala pode ampliar empregos e melhorar a economia
O tema não é novo. A redução da jornada está entre as reivindicações históricas do movimento sindical brasileiro e já mobilizou campanhas desde os anos 2000. Para Jairo Nogueira, presidente da Central Única dos Trabalhadores em Minas Gerais (CUT-MG), a escala 6×1 se intensificou após a reforma trabalhista de 2017, que flexibilizou regras e transformou o domingo em dia de expediente comum.
“Comércio, drogarias e postos de gasolina passaram a adotar em peso a escala 6×1, impondo uma pressão insustentável sobre os trabalhadores. O mundo já caminha para novas experiências: Islândia, Bélgica, Reino Unido, Alemanha, Portugal, Nova Zelândia e Chile já testam a semana de quatro dias, com aumento de produtividade e satisfação”, ressalta Nogueira.
A mudança pode inclusive estimular o consumo, uma vez que um trabalhador com mais tempo livre, segundo ele, vai ao teatro, ao cinema, ao mercado, e isso gera movimento na economia.
“A escala 4×3 traz benefícios não só para a saúde e a vida social, mas também para o próprio capital”, pondera.
Um boletim organizado pelo Dieese, divulgado em abril deste ano, revelou também outros impactos que a reforma de 2017 acentuou no que se refere à precarização dos dispositivos relacionados ao tempo de trabalho.
Segundo o documento, a medida disseminou o uso da jornada 12X36h (12 horas de trabalho seguidas por 36 horas de descanso), que deixou de ser caracterizada como exceção e pode ser, inclusive, negociada individualmente, e também incentivou as modalidades de trabalho intermitente de trabalho parcial.
“Essas formas de contratação desarticulam a organização da vida social e tornam mais difícil a formação profissional dos trabalhadores. Outra modificação introduzida pela reforma trabalhista foi a instituição do acordo individual para o estabelecimento de banco de horas, sem necessidade de negociação coletiva. Também foi eliminada a remuneração ao trabalhador pelo tempo despendido para deslocamento até o posto de trabalho, dentro da empresa ou em empresa de difícil acesso”, lembra o documento.
Vida além do trabalho
Na ponta, quem sente diretamente os efeitos da escala 6×1 é o trabalhador. Lucas Sidrach, integrante do movimento Vida Além do Trabalho (VAT), aponta que a jornada atual compromete o desenvolvimento humano e social.
“São mães que não veem seus filhos crescerem, pais que perdem aniversários, pessoas que não conseguem estudar ou se dedicar a sua fé. O único dia de folga acaba sendo consumido por tarefas domésticas e burocracias. O fim da escala significaria mais saúde mental, melhor qualidade de vida e mais produtividade para os próprios empregadores”, defende.
É o que também endossou a deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT), por meio de suas redes sociais.
“Sim, existe vida além do trabalho. Sim, é preciso acabar com a escala 6×1. Não, quem lucra com a exploração do seu trabalho não quer a mudança, como não quiseram o fim da escravidão, como não quiseram o 13º salário, como não quiseram que os trabalhadores fossem reconhecidos como sujeitos de direitos. A luta de classes é a matriz de todas as demais lutas”, argumentou.
Propostas em tramitação
Atualmente, há várias propostas tramitando no Congresso Nacional para regulamentar o tempo de trabalho. A principal delas, que movimentou as recentes discussões, é a capitaneada pela deputada federal Erika Hilton (Psol), que indica a redução da jornada de trabalho semanal de 44 horas para 36 horas semanais, sem redução de salário, com estabelecimento da escala 4×3.
Também existe o Projeto de Lei 1.105/2023, do senador Weverton Rocha (PDT/MA), que regulamenta a redução da jornada sem redução de salários em acordos ou convenções coletivas de trabalho.
A PEC 148/2015, do senador Paulo Paim (PT/RS), propõe a redução da jornada para 40 horas semanais imediatamente e um escalonamento anual para a diminuição gradativa até chegar a 36 horas semanais, sem redução de salário.
Já a Proposta de Emenda à Constituição 221/2019, do deputado Reginaldo Lopes (PT/MG), defende a redução da jornada de trabalho de 44 horas para 36 horas semanais em um prazo de 10 anos.