Reacendido o debate das comunidades terapêuticas (CTs) na última semana após o incêndio no Instituto Terapêutico Liberte-se, que deixou cinco mortos e 11 feridos na região do Paranoá, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) encaminhou uma solicitação ao Conselho de Política sobre Drogas do Distrito Federal (Conen/DF) para averiguar os fatos referentes ao acidente.
De acordo com o MPDFT, há pouco mais de dois meses atrás, já teria sido expedido um ofício para o conselho solicitando informações sobre a fiscalização do estabelecimento. Além dos relatórios de vistoria dos últimos 24 meses, a promotoria requisitou a licença de funcionamento, o quadro técnico multidisciplinar atuante na instituição e a possível existência de denúncias contra o estabelecimento. O prazo estipulado foi de 20 dias, porém, não houve retorno da pasta.
O Conen, entretanto, afirma que o pedido foi respondido e salientou que não tinha conhecimento do funcionamento do estabelecimento e nunca recebeu nenhum tipo de relato de exercício irregular. Argumentou, ainda, que no pedido do Ministério Público não constava qualquer relato de denúncia recebida, violações em andamento ou endereço de funcionamento da entidade ou CNPJ que pudesse viabilizar a adoção de medidas.
“Na oportunidade, considerando que não era de conhecimento deste conselho entidade em funcionamento, salientou-se ainda que caso construída como Comunidade Terapêutica e na ausência de registro, eventual atividade era considerada irregular”, diz trecho da nota enviada ao Brasil de Fato DF.
Outros órgãos
Após o incêndio no Paranoá, na segunda-feira (1º), o Ministério Público protocolou outro ofício ao Conen reforçando o pedido anterior, desta vez, com prazo de 10 dias. O Conselho Regional de Enfermagem do DF (Coren/DF), a Vigilância Sanitária e o Corpo de Bombeiros Militar do DF (CBMDF) também foram notificados.
Ao Coren, foi requisitado os dados sobre a composição da equipe de enfermagem, incluindo o número de profissionais registrados, a qualificação técnica, a situação cadastral perante o conselho e o responsável técnico pela área de enfermagem.
À vigilância sanitária, foi exigido informações sobre situação sanitária da comunidade terapêutica, incluindo licenças, inspeções e eventuais irregularidades. Para o CBMDF, relatório detalhado sobre o incêndio, informações sobre eventual liberação de funcionamento para o local e o histórico de vistorias e adequações de segurança contra incêndio.
Em nota a Secretaria DF Legal informou que esteve no Núcleo Rural Desembargador Colombo Cerqueira no ano passado para fiscalizar o funcionamento da clínica Liberte-se. “Na oportunidade, foi apresentado um Certificado de Licenciamento em que todas as licenças necessárias estavam dentro da validade e não foi realizada nenhuma autuação, tendo em vista a regularidade da clínica na época”.
No entanto, a pasta explicou que a fiscalização realizada no ano passado ocorreu na Chácara 470, onde, à época, todas as licenças estavam válidas. O incêndio, porém, aconteceu na Chácara 420, vizinha à 470. Segundo a secretaria, o funcionamento na 420 não está previsto no licenciamento vinculado ao CNPJ da empresa sediada na 470 — o que torna sua atividade irregular. Além disso, atualmente, a Chácara 470 também está irregular, pois suas licenças venceram após a última fiscalização.

O Brasil de Fato DF procurou os responsáveis pela Comunidade Terapêutica Liberte-se para que se posicionassem sobre as denúncias de irregularidades e também para saber sobre os suportes às vítimas e familiares. Douglas Costa, diretor da clínica onde ocorreu o incêndio, disse apenas que: “nosso posicionamento é com a polícia até tudo ser esclarecido, qualquer declaração pode atrasar a investigação.
Funcionamento das CTs
De acordo com o Conen, atualmente, apenas 15 comunidades terapêuticas são regularmente registradas na pasta. A Liberte-se não consta nesses registros.
Segundo o Conselho, as fiscalizações regulares das CTs no DF se dão conforme os pedidos de concessão e renovação de registro. Em caso de relatos ou indícios de irregularidades em qualquer instituição são destacadas conselhos para fiscalização in loco para averiguar a regularidade do serviço prestado em consonância à política sobre drogas, segundo o conselho.
Ainda conforme o órgão, para formalizar uma denúncia, os relatos podem ser registrados através do site do Participa DF. Também é possível entrar em contato com a Secretaria Executiva do Conselho por atendimento presencial ou pelo canais de atendimento, como telefone ou e-mail.
Todas as manifestações, denúncias, podem ser registradas pelo Participa DF ou pelo telefone 162. Há também a opção de atendimento presencial em qualquer Ouvidoria do Distrito Federal ou diretamente junto à Secretaria Executiva do Conselho por atendimento presencial ou caso por e-mail [email protected] ou telefone 2244-1133.
Investimento
Especialistas argumentam que as Comunidades Terapêuticas são espaços que se baseiam em técnicas semelhantes às utilizadas nos manicômios.
“Não à toa, temos caracterizado as CTs como uma mistura de manicômios, prisões, igrejas (no caso da violência religiosa que cometem) e senzalas, ao se pautarem na chamada laborterapia, que concretamente tem sido trabalho forçado, não pago, em condições degradantes e análogo à escravidão”, pontua o professor da Universidade de Brasília e psicólogo, Pedro Costa.
De acordo com o professor da UnB, a manutenção dessas CTs são erguidas e mantidas, em sua maioria, pelo Estado. Entre 2024 e 2025, o Governo do Distrito Federal (GDF) investiu mais de R$ 9 milhões na Clínica Recanto, comunidade terapêutica localizada em Brazlândia que acumula uma extensa lista de denúncias de violação de direitos humanos. Do montante, mais de 90% do investimento veio do Fundo de Saúde do Distrito Federal.
Em contrapartida, o DF possui somente 18 Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Segundo o Ministério da Saúde de 2024, do total, quatro não estão habilitados para funcionamento, o equivalente a 0,54 de taxa de cobertura. É a segunda região com a pior cobertura do recurso em todo o país, ficando atrás somente do estado do Amazonas (0,49). A média nacional chega a 1,13. Em resumo, o DF possui um índice de cobertura de CAPS que não chega nem à metade da taxa nacional.