O noticiário político-eleitoral no estado aponta para um amplo bloco situacionista, comandado pelo governador Leite (PSD, ex-PSDB), tendo como coadjuvante e candidato à sucessão seu vice, Gabriel de Souza (MDB). Além desses partidos, o bloco contaria ainda com o apoio do Progressistas (PP), recentemente federado com o União Brasil (UB). Por lei, a federação exige programa comum, caráter nacional e ação conjunta que vão além do processo eleitoral. Isso significa que, por coerência, esses partidos devem assumir um projeto programático nacional e cobrar sua aplicação nas alianças eleitorais. A federação apresenta-se como a “maior força política do país em número de eleitos”.
Para os mais jovens, é bom lembrar que essa federação é, na prática, a reedição da velha Arena, reunindo os antigos partidos que defenderam a ditadura de 1964 e que ressurgiram como PDS e PFL nos anos oitenta e noventa. A isso se somou o falso trabalhismo articulado por Ivete Vargas e Golbery do Couto e Silva para impedir que Leonel Brizola recuperasse a sigla histórica do PTB nas eleições de 1982, no início do processo de abertura do regime militar. O bloco sonha ainda com a presença do PSB e do PDT, o que se torna mais difícil, já que são partidos nacionalmente alinhados com o governo Lula e com todo o esforço de reconstrução e fortalecimento da democracia e da soberania nacional diante do imperialismo representado pelo governo Trump.
Aqui no Rio Grande, deputados e dirigentes desses partidos trocaram cargos e espaços no governo Leite numa política que constrange e compromete a base histórica, popular e sindical dessas forças políticas. Afinal, o que esse governo e sua sucessão têm a oferecer ao povo gaúcho, além do que praticaram nos últimos anos: conservadorismo político e neoliberalismo econômico?
Foram iguais ou até mais radicais no desmonte do estado, em sua função de conhecimento e planejamento, na subordinação ao mercado e na entrega dos serviços essenciais para qualquer política de desenvolvimento econômico e social (ferrovias, energia, comunicação, saneamento, educação), no arrocho salarial e previdenciário do funcionalismo e também do piso regional salarial. Tudo isso à semelhança do que foi praticado pelos governos Temer e Bolsonaro no país.
O governo Leite, que nunca foi social-democrata no sentido político-histórico do termo, mas usou durante anos a sigla, agora a abandonou por algo pior do ponto de vista programático: o camaleônico “PSD de Kassab”, que se define como um partido “que não é nem de direita, nem de esquerda, nem de centro…”. Ou seja, um partido aberto a transações, “faz qualquer negócio”.
Não adianta o governador Leite apresentar-se como democrata, contra os extremos, repetindo sempre a alternativa: “não querer Lula nem Bolsonaro”. Faz isso com a cumplicidade da mídia, que insiste em apresentá-lo como “terceira via”. Ora, isso não resiste aos fatos. Seu novo partido, chefiado por Kassab, junto com o governador Tarcísio de Freitas, está entre os principais articuladores da votação do projeto de anistia para os golpistas que estão sendo julgados neste momento pelo STF. E a federação aliada (UB-PP) ameaça abandonar o centro e até o governo, onde ocupa Ministérios, para engrossar o apoio ao inconstitucional projeto de anistia a golpistas e criminosos. Sobre isso, o que diz e faz o governador Leite, arauto da neutralidade e do combate aos extremos? Nada! Simplesmente mantém sua incoerência entre discurso e prática.
O que esperar dessa sucessão? O que nos promete o vice Gabriel (MDB)? Até aqui, apenas “mais do mesmo”, já que apoiou e esteve junto com Leite nos governos e na Assembleia Legislativa. Vai nos apresentar novamente o “coraçãozinho” de campanhas anteriores, o “gringo que faz”, ou reeditar a “alma gaúcha” da última campanha publicitária?
Certamente, esse elemento fluido, etéreo e sem “corpo” não é o que o Rio Grande necessita. Muito menos a síntese do programa do PL, apresentada pelo presidente do partido, Waldemar da Costa Neto, e pelo “grande líder” Jair Messias, na propaganda partidária na TV: “Deus, Pátria, Família e Liberdade”.
Esperamos que o julgamento dos golpistas e traidores dos interesses nacionais sirva de reflexão e aprendizado para setores da sociedade brasileira ainda iludidos por saídas milagrosas, messiânicas e autoritárias para os grandes desafios que o país enfrenta.
A ação imperialista e autoritária do governo Trump, que desafia o mundo, também serviu para pôr em xeque o domínio de décadas da globalização neoliberal como modelo de desenvolvimento nas relações internacionais. O papel das decisões políticas, da soberania nacional e da ruptura do mundo unipolar imposto nas últimas décadas exige alternativas que não são construídas por milagres ou mistificações, mas sim pela democracia e pela recuperação dos instrumentos de acordos internacionais, sem abrir mão da soberania nacional.
O bloco de forças políticas capaz de garantir esse caminho encontra-se no governo Lula e precisa orientar o processo sucessório de 2026. Tem problemas, limites e contradições, mas a base que o elegeu — os partidos do campo democrático, popular e socialista — precisa ser preservada e mantida como estratégia nacional para garantir sua continuidade.
Nesse sentido, o ato de posse da nova direção estadual do PT/RS, que contou com a presença de representações das federações do campo da esquerda e de dirigentes do PSB e PDT, assim como de personalidades públicas como Manuela D’Ávila, abre uma perspectiva otimista, singular e possível para a construção da unidade mais ampla do campo popular, democrático e socialista. Estejamos todos à altura desse grande desafio na construção da unidade política que nos possibilite a vitória no estado em 2026.
*Raul Pont é professor e ex-prefeito de Porto Alegre
**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.