Ao som dos tambores e xequerês, o centro de Brasília foi tomado por adeptos e simpatizantes das religiões de matrizes africanas na tarde de domingo (7). Semelhante à proposta da Marcha para Exu, realizada tradicionalmente na Avenida Paulista a cada ano, o Caminhos para Exu criou pontes entre gerações e saberes, reafirmando a cidade como um polo de encontro e de expansão da cultura afro-brasileira.
A concentração começou na Praça das Avós, na 506 Sul, com apresentações do DJ Vini Black, do artista Ludi Um e da Banda Makumbá. Logo após, os presentes seguiram em caminhada até a Biblioteca Demonstrativa guiada pelo grupo percussivo Batalá. É a primeira edição do evento na capital federal.
Coordenadora do Caminhos de Exu, Kika Ribeiro destaca a importância da cerimônia para os integrantes das comunidades tradicionais de terreiro. “É para mostrar que nós existimos, é dizer não a qualquer tipo de preconceito, a qualquer tipo de não, e dizer sim pra vida, dizer sim pra existir, porque nós existimos.”
Em uma simples conversa de bar, a ideia de tocar para frente esse projeto levou a alegria dos terreiros às ruas de Brasília. “Essa ideia de hoje nasceu de uma simples conversa de barzinho. Ia fazer apenas uma ‘macumba’ aqui na Asa Sul e resolvi fazer Caminhos de Exu, que é pra agregar todos os irmãos e irmãs que pertencem a essa entidade, que cortejam essa entidade, que é devoto de Exu. Porque Exu está em tudo”, lembrou.
Acompanhada dos alunos, a coordenadora da Escola de Curimba Batuquemos e umbandista, Bárbara Rodrigues celebrou a caminhada, que possibilitou dar voz às pessoas de terreiro.
“Viemos aqui com os nossos alunos para prestigiar a caminhada para Exú, muito importante para nós que somos de terreiro. [É] uma caminhada que nunca aconteceu aqui em Brasília e acho de extrema importância para conseguirmos falar da nossa cultura. Trazer para Brasília a nossa cultura que é tão silenciada por todo mundo”, pontuou.

Para Luiza Carvalho, a celebração serviu para demarcar o espaço para o povo de axé. “Isso demarca também um espaço, uma mobilização do povo de terreiro, do povo de axé. Ocupando as ruas, mostrando que somos resistência, que somos da paz, da tranquilidade. E louvando nossos ancestrais, que é o mais importante. O orixá do caminho, da fala, num domingo de família, de sol, com nossos animais.”
Dona de casa e umbandista, Ana Vasconcelos se sentiu contemplada com o evento. “Nós que somos o terreiro temos que ser reconhecidos e esses eventos nos representam e dá uma grande visibilidade para nossa cultura, para nossa religião.” Ela foi acompanhada de sua amiga, também umbandista, Kátia Sigurace.
“É a primeira vez dessa marcha e eu acho uma ideia muito interessante, porque vai mostrar para a sociedade que nós não somos do mal”, disse Sigurace.

A Fundação Palmares também esteve presente no evento distribuindo cartilhas do Estatuto de Igualdade Racial e livros paradidáticos que contam a história da África. Guilherme Bruno, diretor substituto do Centro de Informação e Acervo da Memória e da Cultura Afro-brasileira do órgão, ressaltou a importância de implementar políticas públicas de valorização da cultura afro-brasileira.
“Estamos aqui no cumprimento da missão, aproveitando o ensejo que a Biblioteca Demonstrativa está realizando essa marcha para Exú, nesse contexto de celebração da independência e soberania da nossa nação. A Palmares internalizou uma pequena banca, aqui para fazermos essa distribuição gratuita. Fomentar a curiosidade das pessoas a respeito da História da África e também sobre a Fundação Cultural Palmares. Estamos aqui, acredito, implementando política pública na veia”, explicou.
A bibliotecária Marcela Costa destacou a necessidade de levar a história das matrizes africanas através da fundação. “O papel da Fundação Cultural Palmares é para apoiar as pessoas de terreiro. Nós estamos distribuindo material para falar de diversidade, quebrar os tabus, falar das matrizes africanas.”

Ao Brasil de Fato DF, a deputada federal Érika Kokay (PT-DF) disse que a marcha serviu para reconhecer a ancestralidade dos povos de terreiro. “Acho que tem muita razão quando [Ailton] Krenak diz que o futuro é ancestral. O futuro são as rodas. O futuro é nós resgatarmos a nossa ancestralidade, a nossa africanidade, porque sem resgatarmos a nossa africanidade, não resgatamos a nossa brasilidade”, pontuou.
“Nós temos a construção de uma ressignificação aqui no território brasileiro. Então, são as matrizes africanas que se cruzam, fortalecem e constroem uma brasilidade. O Brasil é o Brasil dos cocares, mas é o Brasil dos turbantes. É o Brasil das saias rodadas, dos tambores. E, aqui nós estamos na capital da República com a marcha, que significa abertura de caminhos, e o diálogo consagrado”, finalizou.