Na semana do Dia do Cerrado, comemorado em 11 de setembro, Brasília será palco do 11ª Encontro e Feira dos Povos do Cerrado, realizado no Eixo Cultural Ibero-Americano, antiga Funarte, entre os dias 10 e 13 de setembro. O encontro tem como objetivo ser um espaço de troca de saberes e articulações em defesa do bioma, além de debater políticas voltadas à garantia de direitos dos povos e comunidades ancestrais e tradicionais.
Organizado pela Rede Cerrado, o evento deste ano traz como tema Cerrado, berço das águas, coração do Brasil. O projeto existe desde 2001 e, segundo a organização, se consolidou como um instrumento fundamental para a valorização da cultura tradicional brasileira e o fortalecimento do ativismo ambiental. O último encontro aconteceu em 2023, na Torre de TV, em Brasília.
A secretária executiva da Rede Cerrado, Ingrid Silveira, ressalta a importância dos recursos hídricos do bioma, que fazem do Cerrado o coração ecológico do país.
“Esses recursos hídricos sustentam a produção de alimentos, geram energia, recarregam aquíferos vitais e ajudam na regulação do clima. No momento, esse coração pulsa sob diversas ameaças. Lutamos diariamente contra o avanço do desmatamento, o envenenamento da terra e das águas por agrotóxicos, conflitos territoriais e degradação da biodiversidade,” ressalta Silveira.
O Cerrado é o segundo maior bioma do Brasil, ocupando cerca de 23,9% do território nacional, abrangendo 12 estados, incluindo o Distrito Federal. É a nascente das principais bacias hidrográficas do país — Amazônica, Tocantins-Araguaia, São Francisco e Paraná/Prata — e abriga uma rica biodiversidade. Apesar de sua importância, apenas 8,21% de sua área total possui proteção legal integral por unidades de conservação.

Para a quilombola Lucely Moreira Pio, integrante da comunidade quilombola do Cedro, em Mineiros (GO), e vice-coordenadora da Rede Cerrado, a presença das mulheres no evento é essencial.
“Para a gente, que somos mulheres do Cerrado, quilombolas, é muito importante comemorar o Encontro e Feira dos Povos do Cerrado, no Dia do Cerrado. Esse é um espaço para fortalecer a luta pela preservação e para trabalhar para manter o Cerrado em pé. É uma forma da gente gritar por esse Cerrado que está morrendo, das nascentes que estão morrendo. O Cerrado é o nosso berço das águas. Então, esse momento é uma maneira de fortalecer a luta e de buscar, junto às autoridades, que escutem o nosso clamor,” destaca Lucely Moreira.
Reconhecido como a COP do Cerrado, o XI Encontro ganha especial relevância neste ano de preparação para a COP30, que será realizada em Belém (PA) no segundo semestre. Para Hiparidi Top’tiro, vice-coordenador da Rede Cerrado e integrante do Movimento das Organizações e Povos Indígenas do Cerrado (MOPIC), a articulação para preservar os dois maiores biomas brasileiros deve estar entre as prioridades das agendas climáticas nacionais e internacionais.
“Não dá para pensar na preservação do Cerrado sem pensar, em paralelo, na preservação da Amazônia. Os dois biomas ocupam áreas importantes do território brasileiro e são alvo da expansão predatória de modelos socioeconômicos pouco sustentáveis. Nós acreditamos que as conversas que teremos no Encontro e na Feira serão relevantes para os debates que teremos alguns meses depois, na COP30.” diz Hiparidi.
Tendas de saberes

O evento contará com uma programação diversa com 10 tendas temáticas, Na Tenda Veredas, além do ato de abertura com recepção, mística, memória da Rede Cerrado e homenagem a fundadoras e fundadores, haverá mesas sobre as áreas prioritárias para a conservação da água e sobre a regularização fundiária e territorial de povos e comunidades tradicionais.
A Tenda Povos trará oficinas práticas como saboaria e fitoterapia artesanal, além de formação para gestão de empreendimentos comunitários.
Já a Tenda Cerrado em Pé será dedicada às boas práticas de manejo nos babaçuais, articulando conservação ambiental e geração de renda, e ao encontro dos núcleos regionais da Rede Cerrado.
A Tenda Sem Mulher não tem Cerrado em Pé reunirá painéis sobre iniciativas de gênero em projetos socioambientais, mobilização e negócios sustentáveis, destacando o protagonismo feminino. Uma das novidades deste ano é que esta tenda será também voltada para o acolhimento e terapia para mulheres. “Será uma tenda de várias terapias voltadas para mulheres, com apresentação de chás e outras ervas” explica Lucely Moreira.
Por fim, a Tenda Futuro Ancestral será o espaço da juventude, fortalecendo a presença e as vozes das novas gerações na luta pelo Cerrado.
Pressão política e urgência na demarcação de terras
A agenda política durante o evento acontece no dia 11, quinta-feira, data que marca o Dia do Cerrado. A programação inicia um ato político cultural em frente ao Congresso Nacional, seguido de Sessão Solene em audiência na Câmara dos Deputados. Dentre as pautas que serão levadas pelos movimentos, está a urgência pela demarcação dos territórios.
“Precisamos ter esse território de povos e comunidades tradicionais demarcados. O primeiro passo é esse, demarcando que seremos livres de mortes, porque muitas lideranças estão morrendo na defesa do seu território”, afirma a líder quilombola.
Dados recentes confirmam a gravidade da situação. Um estudo inédito elaborada pelo Instituto Socioambiental (ISA) em parceria com a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) mostra que mais de 98% dos territórios quilombolas no Brasil estão sob ameaça de grilagem, mineração e desmatamento. No Cerrado, a morosidade nos processos é ainda mais evidente: em Goiás, por exemplo, apenas uma comunidade quilombola no município de Barro Alto teve sua titulação finalizada. Já as Terras Indígenas enfrentam forte pressão, com aumento de 188% no desmatamento em 2023, segundo levantamento do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).
Para Lucely Moreira, a falta de regularização ameaça não apenas a sobrevivência das comunidades, mas também a preservação cultural e ambiental. “Se a gente não tem o nosso território demarcado, não tem o Cerrado em pé. Está ameaçando a nossa cultura, os nossos modos de fazer e de viver”, reforça.
Como encaminhamento político, o encontro promoverá uma assembleia dos povos tradicionais para discutir pautas prioritárias. Ao final, será elaborada uma carta política com as principais demandas, que será entregue às autoridades governamentais.
Agenda cultural
Os quatro dias de evento contaram também com apresentações culturais apresentando a diversidade que o errado nos traz na produção artística e expressão cultural local.
Confira a programação:
11/09 – Quinta-feira
18h – Roda de capoeira
19h – Boi Morreiro, do Mato Grosso do Sul.
19h50 – Tambor de Crioula e dança de coco do Quilombo Saco das Almas do Brejo (MA)
20h – Intervenção urbana com projeções da Bazuca Poética
20h30 – Kirá
12/09 – Sexta-feira
12h30 – Peça teatral Maria das Alembrança
19h – Sussa das Kalungas (GO)
20h – Forró Dom Quixote (DF)
21h30 – Pé de Cerrado (DF)
21h30 – Filhos de Dona Maria (DF)
13/09 – Sábado
12h30 – Sambadeiras de Roda (DF)
19h – Fiandeiras do Vale do Urucuia – Grande Sertão Veredas (MG)
19h40 – Martinha do Coco (DF)
Serviço
11ª Encontro e Feira dos Povos do Cerrado
Data: 10 a 13 de setembro
Horário: 9h às 22h
Local: Antiga Funarte – Brasília – DF
Programação completa disponível na página da organização.