A dura derrota do partido do presidente da Argentina, Javier Milei, para a oposição peronista nas eleições legislativas provinciais de Buenos Aires deste domingo (7) é reflexo do escândalo de corrupção que envolveu recentemente seu governo, de acordo com analistas argentinos ouvidos pelo Brasil de Fato.
O resultado surpreendentemente elástico indica que Milei terá dificuldades para conseguir maioria parlamentar nas eleições nacionais legislativas de meio mandato em 26 de outubro.
O peronismo de centro-esquerda reunido na coalizão Força Pátria venceu com mais de 47% dos votos, contra 33,8% da governista A Liberdade Avanza (LLA), com 94% das urnas apuradas, segundo o órgão eleitoral provincial. Milei esperava pontuar bem nesse pleito e conseguir aumentar significativamente sua base no Congresso na eleição do mês que vem, para emplacar sua agenda ultraliberal sem necessidade de coligações.
“Esta não era a eleição esperada pelo peronismo. Há dois meses, a preocupação era não perder de muito”, diz a socióloga Lucia Wegelin da Universidade de Buenos Aires.
“Essa vitória peronista tem a ver com erros do governo, acertos da campanha e, principalmente os áudios que surgiram nas últimas semanas e que não foram respondidos pelo governo”, explica ela, ao se referir ao escândalo que implica Karina Milei, irmã do mandatário extremista e Secretária Geral da Presidência.
Os áudios ligam Karina a supostas cobranças de suborno na compra de medicamentos para pessoas com deficiência. Calcula-se que a irmã, considerada o braço direito do presidente, embolsava cerca de US$ 15 mil (R$ 82 mil) por mês com o esquema. Karina ainda não se pronunciou publicamente sobre o escândalo, mas o governo Milei conseguiu barrar na Justiça a divulgação de mais áudios relacionados ao esquema.
Confiança quebrada
“Hoje [domingo] tivemos uma clara derrota”, disse Milei na sede de seu partido na cidade de La Plata, a capital da província 50 km ao sul de Buenos Aires. “Mas não se retrocede nem um milímetro na política de governo. O rumo não apenas se confirma, mas vamos aprofundar e acelerar mais”.
Apesar do tom desafiador, analistas dizem que algo se quebrou na relação entre Milei e seu eleitorado.
“É evidente que o governo Milei encontrou limites, mesmo sendo uma eleição na província de Buenos Aires, tradicionalmente peronista”, diz o sociólogo Pedro Lacour.
Para ele, o governo foi surpreendido pelo escândalo envolvendo a irmã do presidente e, sua falta de reposta, foi interpretada como admissão de culpa e paralisou a campanha eleitoral.
“Obviamente que a maior aposta de Milei é a economia, mas o governo terá muito trabalho para reverter o clima negativo até 26 de outubro”, disse à reportagem. O presidente apoia sua gestão no controle da inflação (de 87% nos primeiros sete meses de 2024 para 17,3% no mesmo período deste ano) e no equilíbrio fiscal.
Mas o governo começou a intervir na semana passada no mercado cambial, vendendo dólares do Tesouro para conter a desvalorização do peso, que vinha se acelerando nas últimas semanas, apesar das elevadas taxas de juros. Nesta segunda-feira, a bolsa de valores de Buenos Aires abriu com queda de 12% e o dólar subiu 4% contra o peso argentino.
Lucia Wegelin explica que o controle inflacionário representa apenas metade do acordo firmado entre Milei e seu eleitorado. A imagem de não pertencer à mesma casta política corrupta tinha um peso forte dentro do país.
“Esta imagem está derretendo, ele não consegue convencer ser honesto, parece cada vez mais ligado à família Menem, clássica e antiga da política argentina”, explica ela.
Vencedor
A província de Buenos Aires, governada pelo peronista de centro-esquerda Axel Kicillof, é responsável por mais de 30% do PIB argentino e reúne 40% do eleitorado nacional. A eleição renova 23 cadeiras no Senado e 46 na Câmara dos Deputados da Legislatura provincial.
“Milei, o povo te deu uma ordem, não pode governar para os de fora, para as corporações, para aqueles que têm mais. Governe para o povo, não se pode retirar financiamento da saúde, da educação, da ciência e da cultura na Argentina”, disse Kicillof no discurso de vitória.