O ministro Alexandre de Moraes, relator da ação penal que apura a tentativa de golpe de Estado no Brasil (AP 2668), no Supremo Tribunal Federal (STF), apresentou nesta terça-feira (9) seu voto, e pediu a condenação dos oito réus do chamado “núcleo crucial” da trama.
“A organização criminosa narrada na denúncia pela Procuradoria-Geral da República realmente iniciou a prática das condutas criminosas com atos executórios concretos e narrados anteriormente em meados de julho de 2021. Permaneceu atuante até o dia 8 de janeiro de 2023, tendo sido composta em sua maioria por integrantes do governo federal da época e por militares das Forças Armadas e teve o claro objetivo de impedir e restringir o pleno exercício dos poderes constituídos, em especial o Poder Judiciário, por meio do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral, bem como tentar impedir a posse ou depor o governo legitimamente eleito em outubro de 2022”, considerou Moraes.
“Os réus praticaram todos os delitos apontados pela PGR”, atestou. “Diante de todo exposto”, seguiu o ministro. “Voto no sentido da procedência total da ação penal para condenar os réus Almir Garnier Santos, Anderson Gustavo Torres, Augusto Heleno, Jair Messias Bolsonaro, Mauro Cid, Paulo Sérgio Nogueira e Walter Souza Braga Netto, pela prática das condutas de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da união e com considerável prejuízo para a vítima e deterioração do patrimônio tombado”, disse o ministro, esclarecendo que para o réu Alexandre Rodrigues Ramagem, o pedido se restringe à condenação pela prática das condutas de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta no Estado Democrático de Direito e golpe de Estado. A Câmara dos Deputados, a partir da resolução número 18/2025, decidiu excluir dois crimes da acusação contra Ramagem, que continuou a responder pelos três delitos pelos quais foi condenado.
Em um voto extenso e detalhado, o ministro afirmou não ter dúvidas da participação dos réus, sobretudo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), na atividade criminosa. “Não há nenhuma dúvida da ocorrência de reuniões do réu Jair Messias Bolsonaro com comandantes das Forças Armadas, entre outras pessoas, para discutir a quebra da normalidade constitucional. Esse é um fato incontroverso”, disse o relator.
“Isso foi dito pelo réu Jair Bolsonaro, ‘como não tinha mais recurso no TSE [Tribunal Superior Eleitoral], começamos a discutir isso’. Ora, não existe previsão constitucional para a decretação de estado de sítio, no caso de derrota eleitoral não existe. Chame-se como quiser”, afirmou.
Sobre a relação dos atos executórios listados no voto e os atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023, Moraes indicou que, na ausência de um instrumento jurídico de impugnação das eleições de 2022, só restava um instrumento aos golpistas: a força. “GLO, Garantia da Lei da Ordem, a intervenção militar. Isso está claro aqui”, ressaltou.
“O que o então presidente, líder dessa organização criminosa, que se iniciou lá em junho de 2021, pretendia, era tão somente o apoio, porque obviamente sem tropas ele não conseguiria naquele momento. Foi tentar um outro ato executório e aqui a autoria imediata é muito clara. Antes de terminar o mandato, não reconhece a legitimidade nas eleições, não reconhece a legitimidade da Justiça Eleitoral e nem a vitória do meu adversário”, disse o ministro, referindo-se aos passos tomados por Bolsonaro após a derrota eleitoral.
“A organização criminosa continua influenciando, continua instigando, continua coordenando. E esse chamado resultou no dia 8 de janeiro. É uma sequência de atos executórios”, explicou o magistrado, lembrando ainda que o ex-presidente viajou ao exterior e se recusou a entregar a faixa presidencial ao presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva(PT). Moraes lembrou ainda que um dia após os atos violentos em Brasília, o ex-presidente Jair Bolsonaro publicou um vídeo, sendo apagado logo em seguida, em que presta apoio às pessoas que participaram do quebra-quebra nas sedes dos Três Poderes.
Nas próximas sessões, votam os ministros Flávio Dino, Luiz Fux, Carmen Lúcia e Cristiano Zanin, nessa ordem. Para condenar ou absolver os acusados, será preciso o voto da maioria simples do colegiado, ou seja, pelo menos três dos cinco ministros.
“Nem preso, nem morto, nem vitorioso”
Durante a apresentação de seu voto, o ministro Alexandre de Moraes citou diversas falas de Jair Bolsonaro (PL), em que o próprio ex-presidente assume a intenção de permanecer no poder, ainda que tivesse perdido as eleições.
“Afirmou o réu que não participaria ‘de uma farsa como essa patrocinada pelo Tribunal Superior Eleitoral’ e deu entrevista atacando os integrantes do judiciário. ‘Só saio preso, morto ou com a vitória. Quero dizer aos canalhas que eu nunca serei preso’”, disse Moraes, passando ao juízo do caso, em que trata Bolsonaro como “líder de organização criminosa”.
“O líder do grupo criminoso deixa claro aqui de viva voz, de forma pública para toda a sociedade, que jamais aceitaria uma derrota nas urnas, uma derrota democrática nas eleições, que jamais aceitaria ou cumpriria a vontade popular”, afirmou.
“Esse era o planejamento, essa era a execução dos atentados contra a Justiça Eleitoral. E todas essas mentiras criminosas feitas na live, imediatamente eram massivamente disseminadas pelas milícias digitais. A live, portanto, foi mais um ato executório e para a concepção dos objetivos dessa organização criminosa”, disse o ministro. “A grave ameaça já se iniciava desde o início da execução criminosa”, atestou.
Moraes citou também a manifestação de 7 de setembro de 2021. “Jair Messias Bolsonaro em seus discursos, tanto o discurso no 7 de setembro aqui em Brasília quanto na [avenida] Paulista, em São Paulo, passou a fazer uma série de ameaças e afirmou categoricamente que a partir daquele momento descumpriria ordens judiciais. E mais: instigou milhares de pessoas presentes e milhões de pessoas pelas redes sociais, instigou contra o Poder Judiciário, contra o Supremo Tribunal Federal, contra os seus ministros, instigou ameaçando gravemente todos esses integrantes”, declarou o magistrado.
“Afirma ainda, e continua dizendo: ‘temos um ministro do Supremo que ousa continuar fazendo aquilo que nós não admitimos’. Só nas ditaduras, juízes ou ministros fazem o que um ditador determina” refutou.
“Qualquer pessoa decente, qualquer pessoa decente e de boa-fé sabe que um líder político num alto cargo, instigando, insuflando milhares de pessoas dessa forma, aumenta exponencialmente as agressões, ameaças ao Supremo Tribunal Federal, aos ministros do Supremo Tribunal Federal e a suas famílias. Atitudes criminosas confessadas no dia 7 é de setembro”, destacou.
Moraes também comentou a reunião ministerial do dia 7 de julho de 2022. “Foi uma reunião golpista onde se pretendia arregimentar mais ministros, mais servidores e principalmente os comandantes das Forças [Armadas]. É o projeto dessa organização criminosa”, acusou.
Entreguismo vem de longe
Outra reunião mencionada pelo ministro relator ocorreu cerca de uma semana após o encontro ministerial, em que Jair Bolsonaro reuniu embaixadores no Palácio do Alvorada para deferir ataques ao sistema eleitoral brasileiro. O magistrado qualificou o evento como um episódio de “entreguismo”.
“Nessa reunião realizada no Palácio do Alvorada, Jair Messias Bolsonaro chama inúmeros embaixadores e pretende demonstrar para eles, entre aspas, o que está acontecendo no Brasil e junta várias notícias fraudulentas, vídeos fraudulentos, fotos fraudulentas para dizer que as urnas eletrônicas são vulneráveis”, lembrou o ministro, referindo-se ainda aos “últimos acontecimentos”, em alusão ao tarifaço imposto pelo governo dos Estados Unidos a produtos brasileiros, que contou com a articulação do filho do ex-presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL).
“E essa reunião talvez entre para a história como um dos momentos de maior entreguismo nacional, ou tentativa de entreguismo nacional. Mas, na verdade, os últimos acontecimentos demonstram que essa reunião foi só preparatória para uma tentativa de retorno à posição de colônia brasileira, só que não mais de Portugal”, afirmou.
Voto didático
A deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ), que foi membro da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre os atos democráticos de 8 de janeiro de 2023, acompanhou toda a sessão da manhã desta terça e qualificou o voto do ministro Alexandre de Moraes como “didático”.
“Um voto muito didático, muito contundente, que consegue inclusive esclarecer a diferença entre a abolição do violenta do Estado Democrático com o golpe de Estado, que mostra que não dá para juntar, de fato, são duas coisas”, disse a parlamentar, referindo-se a dois, dos cinco crimes imputados ao grupo.
“Ele [Moraes] foi ligando os fatos e os réus, ou seja, ficou um roteiro fácil de a sociedade entender onde é que cada réu entra no processo de construção do golpe de Estado e da tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito”, avaliou. “As provas são muito robustas. A gente, na CPI, seguiu esse mesmo roteiro. A PGR seguiu esse mesmo roteiro, e ele [Moraes] vai seguindo o mesmo roteiro e acrescentando coisas que só um relator tem”, concluiu Feghali.