O Instituto Marielle Franco lançou recentemente a pesquisa Regime de Ameaça: Violência Política de Gênero e Raça no Âmbito Digital. O estudo traz detalhes sobre 77 casos registrados entre 2021 e 2025, envolvendo mulheres negras, cis, trans e travestis, além de LGBT+ periféricas e defensoras de direitos humanos que atuam na política.
Segundo a coordenadora de Incidência e Pesquisa do Instituto, Brisa Lima da Silva, entrevistada no Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato, o objetivo é “fortalecer o debate sobre o papel da internet na perpetuação e, se possível, no enfrentamento a essa violência política de gênero e raça no âmbito digital, que nós entendemos que é sistêmica, que faz parte de um processo que impede que possamos viver, de fato, um regime democrático para as mulheres negras que estão participando da política”.
O levantamento aponta que 87% das vítimas se declaram negras: 69% pretas e 18% pardas. Outras 10% constam como brancas e 3%, não identificadas. A maioria ocupa cargos legislativos, especialmente vereadoras (48%), deputadas estaduais (19%) e federais (16%). Do ponto de vista partidário, 84% pertencem a legendas de esquerda, como PT (43%) e Psol (30%).
Conforme os dados da pesquisa, 71% dos episódios de violência digital foram de ameaças e intimidações, seguidos por desinformação (11%) e discurso de ódio (8%). Entre as ameaças, 30,9% foram de morte e 63,6% de estupro. Dessas, 94% tiveram teor racista, 97% misógino e 56% LGBTfóbico.
Além disso, 63% das ameaças de morte fazem referência direta ao assassinato da vereadora Marielle Franco, morta em 2018 junto ao motorista Anderson Gomes. “A alusão ao feminicídio político de Marielle, para nós, só reforça a necessidade do Estado trazer respostas concretas e medidas de não repetição, garantindo que as mulheres negras possam acessar e permanecer nesses espaços democráticos de forma segura”, defende Silva.
Enfrentamento
Entre as propostas apresentadas está a criação de uma Política Nacional de Enfrentamento à Violência Política de Gênero, que articule municípios, estados e União. “Nós entendemos que para enfrentar esse problema, que é sistêmico, é necessária uma política que agregue e articule instâncias de todos os entes da federação, com ações de prevenção, enfrentamento, responsabilização, reparação e proteção”, diz a coordenadora.
Ela destaca também a necessidade de responsabilizar as plataformas digitais. “Definitivamente, nós estamos diante de um contexto no qual as plataformas, essas redes sociais, pouco têm de social. São espaços que acabam sendo utilizados para perpetuar a violência (…). É essencial pensar o papel dessas grandes plataformas, que precisam ser regulamentadas como vemos em outros países”, observa.
O relatório relaciona a violência com a baixa presença de mulheres na política. Atualmente, elas ocupam apenas 18% da Câmara dos Deputados e 19,8% do Senado. Para Silva, a violência funciona como uma barreira adicional. “A violência política é um obstáculo para a representação política das mulheres de uma forma mais plena, em especial das mulheres negras. Historicamente, as mulheres negras estão sub-representadas dentro desses espaços democráticos. Para que essa realidade mude, o Estado precisa tomar atitudes concretas para dar conta dessa reparação histórica”, relaciona.
Para ouvir e assistir
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