O Cerrado é o segundo maior bioma do Brasil, ocupando uma área de 2.036.448 km2, cerca de 22% do território nacional. O Ministério do Meio Ambiente assim define esse bioma: “O Cerrado brasileiro é reconhecido como a savana mais rica do mundo, abrigando 11.627 espécies de plantas nativas já catalogadas. (…) Cerca de 199 espécies de mamíferos são conhecidas, e a rica avifauna compreende cerca de 837 espécies. Os números de peixes (1.200 espécies), répteis (180 espécies) e anfíbios (150 espécies) são elevados. (…) De acordo com estimativas recentes, o Cerrado é o refúgio de 13% das borboletas, 35% das abelhas e 23% dos cupins dos trópicos”. No Cerrado vivem 5% de todas as espécies do planeta e 30% das espécies do país, sendo que mais de 32% dessas espécies são endêmicas. De fato, mais de 4.800 espécies de plantas e de vertebrados são exclusivas dessa região. Além disso, das 5.487 espécies de mamíferos conhecidas no mundo, 700 estão no Brasil e 199 estão no Cerrado.
Extermínio da cobertura vegetal nativa e da biodiversidade
A manta vegetal nativa e a biodiversidade do Cerrado estão sendo exterminadas, sobretudo, pelo agronegócio. “O Cerrado já perdeu cerca de 70% de sua cobertura original”. Essa cobertura foi eliminada para dar lugar a pastagens e a commodities para exportação. Ao importar essas commodities, os países setentrionais estão importando indiretamente a água do Cerrado e de outros biomas tropicais, e exportando extinção de espécies ao destruir 15 vezes mais biodiversidade nos países exportadores de commodities do que dentro de suas próprias fronteiras.
Tal é a razão por que o Cerrado, a “caixa d’água” do Brasil, está secando. Berço de seis das oito bacias hidrográficas mais importantes do país, o Cerrado fornece cerca de 70% da água do São Francisco e 47% da do Rio Paraná. Essa matriz hídrica está secando: 91% das bacias hidrográficas do Cerrado perderam superfície natural de água em relação à média histórica de 1985-2024.
O desmatamento no Cerrado vem se espraiando sobretudo pelo Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia). Em 2024, o desmatamento nesses estados concentrou 75% do desmatamento do Cerrado e cerca de 42% de toda a perda de vegetação nativa no país. Esses quatro estados, que abrigam 47,8% da vegetação remanescente do Cerrado, têm sido o principal foco de desmatamento. Cada um deles tem pelo menos um município com mais de 30% de perda de vegetação nativa entre 2008 e 2023. É quase inacreditável que em 15 anos um município tenha perdido mais de 30% de sua vegetação nativa.
As projeções para este segundo quarto de século são nada menos que catastróficas para o Cerrado como um todo: “Mantidas as tendências atuais, 31% a 34% da área restante da cobertura vegetal do Cerrado deve ser suprimida até 2050 (…), levando à extinção cerca de 480 espécies de plantas endêmicas – três vezes mais que todas as extinções documentadas desde 1500”. Essas projeções foram feitas em 2017. Apenas cinco anos depois, o desmatamento, as ondas e picos de calor, as secas e os incêndios agravaram esse quadro.
Os resultados de uma pesquisa de 2022 indicam, de fato, que “a conversão das florestas do Cerrado em monoculturas e pastagens aumentou a temperatura média superficial em cerca de 3,5 °C e reduziu a evapotranspiração média anual em 44% e 39% respectivamente”.
Desmatamento, perda de biodiversidade, secas, incêndios, uso crescente de agrotóxicos, captação abusiva de água e falta de governança agem em sinergia como um acelerador do aquecimento e estão condenando o Cerrado à morte no horizonte dos próximos decênios. O alerta do próprio Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação é claro. O relatório “Mudança do Clima no Brasil – Síntese Atualizada e Perspectivas para Decisões Estratégicas”, publicado em 2024 pelo MCTI afirma, acerca do Cerrado: “A mudança de uso e cobertura do solo, aliada à mudança climática em curso, impactou fortemente sua biodiversidade e levou 657 espécies de plantas à extinção nesse bioma, mais do que quatro vezes o recorde global de extinção de espécies. (…) Os efeitos das mudanças climáticas, expressos por secas e ondas de calor, causam estresse às plantas, comprometendo seu crescimento e aumentando sua mortalidade”.
O Cerrado chegou a uma situação-limite. Mantido o atual modelo econômico injusto, ecocida e suicida, não há saída nem para esse bioma agonizante, nem para o Brasil e nem para os demais países da região. A única possibilidade de conservar e restaurar o que resta desse bioma, na medida do ainda possível, é descontinuar drasticamente a atividade do agronegócio, promovendo uma reforma agrária popular, condição de possibilidade de uma agricultura genuína, produtora de alimentos saudáveis, sem agrotóxicos, próximos do consumidor e geradora de prosperidade. Só não vê isso quem não quer ou quem lucra com a destruição.
*Luiz Marques é professor livre-docente aposentado e colaborador do Departamento de História do IFCH/Unicamp.