Moradores do distrito de Águas Claras, em Viamão (RS), estão mobilizados contra a perfuração de poços artesianos pela Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan), atualmente sob controle da Aegea. O projeto da empresa prevê a retirada de água subterrânea em grande escala para abastecer cidades vizinhas, como Canoas, Alvorada e Porto Alegre.
No dia 9 de setembro de 2025, a Associação Civil Lago Tarumã (Alta) e a Associação Águas Claras ajuizaram uma Ação Cautelar Antecedente com pedido de Tutela de Urgência contra a Corsan. O processo solicita a suspensão da perfuração de novos poços, da exploração dos já existentes e da construção de uma adutora vinculada ao projeto.
O projeto e os números da exploração
O plano da empresa prevê a abertura de 26 poços artesianos. A estimativa inicial apontava retirada diária entre 47,5 e 77,7 milhões de litros, até 25 vezes superior ao consumo atual de Águas Claras, que gira em torno de 3 milhões de litros por dia para cerca de 20 mil habitantes.
A proposta inclui vazão total subterrânea de 0,55 m³/s, combinada com captação superficial de até 1,4 m³/s no barramento do Banhado dos Pachecos. Até o momento, seis poços já foram perfurados. A Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), no entanto, autorizou apenas o transporte de água da Estação de Tratamento Jardim-Fiúza até Águas Claras, sem contemplar a captação subterrânea.
Mobilização comunitária
Desde julho, a comunidade se organiza sob o nome “Pela Manutenção Sustentável da Água em Águas Claras”, reunindo associações locais e entidades ambientais. Em 19 de julho, moradores realizaram protesto pacífico na RS-040, principal acesso ao distrito. Em 21 de agosto, instalaram um acampamento de resistência para ampliar a visibilidade do tema.
Omar Fraga, presidente da Associação de Moradores de Águas Claras, destacou a resistência: “Nós estamos fazendo a trancagem do maquinário. A comunidade está se unindo aqui para não deixar que eles levem toda a nossa água.”
Ele reforçou que o impacto atinge diretamente a vida cotidiana da região: “A comunidade não aceita essa quantidade de perfurações e os 26 poços, que vai atingir o nosso solo aqui e vai prejudicar a nossa plantação, a nossa criação de gado, os nossos poços aqui. A maioria é condomínio, todos têm poços artesianos, e estão com a ideia de lacrar os nossos poços, mas nós, a comunidade, não aceitamos a Aegea entrar aqui e lacrar nossos poços, levar nossa água.”
Fraga também ressaltou os efeitos econômicos: “Se essa captação ocorrer, além de perdermos a água, também poderemos ter que pagar por algo que sempre foi de uso livre da comunidade.”
E concluiu com um alerta sobre o futuro: “Temos nossa luta aí para fazer melhorias para nossa região, e a gente não vai desistir até que tudo seja revogado.”
A ambientalista Iliete Citadin, que também integra o movimento, relacionou os riscos à proximidade de áreas sensíveis: “Estão propondo a retirada de água perto de áreas sensíveis como a Colônia das Lombas. A população é contra e vai se manifestar. Essa água é nossa, e precisamos defendê-la.”
Já o vereador Marco Antônio Borrega (PDT) cobrou maior rigor técnico: “O aquífero não é infinito. Se a retirada for em volume elevado, haverá impacto nas nascentes, nos poços existentes e na fauna dos banhados. Isso precisa ser debatido com dados técnicos e participação da população.”
Impactos ambientais
Moradores e especialistas alertam que a exploração ameaça o Aquífero Coxilha das Lombas, também chamado Aquífero Águas Claras, e ecossistemas como os banhados do Pacheco, Chico Lomã e Gravataí. Esses ambientes estão ligados à Bacia Hidrográfica do Rio Gravataí, classificada como especial pela fragilidade ecológica.
Segundo ambientalistas, a perfuração profunda pode secar poços menores utilizados por famílias, reduzir a recarga natural do aquífero e comprometer nascentes que abastecem o Refúgio de Vida Silvestre do Banhado dos Pachecos. Há também risco de infiltração de efluentes em razão da presença de condomínios sem sistema de esgoto adequado.
Pareceres técnicos e inquérito civil
O Ministério Público Estadual (MP/RS) abriu o Inquérito Civil nº 00930.001.896/2025. A recomendação é de que o Departamento de Recursos Hídricos (DRH), da Secretaria do Meio Ambiente, não conceda outorga à Corsan sem novos estudos.
O Parecer Técnico 14/2025 – DIOUT/DRH/SEMA apontou falhas nos estudos hidrogeológicos apresentados pela empresa Water Services And Technologies, contratada pela Corsan. Entre os pontos pendentes, estão:
- ausência de dados sobre períodos de estiagem,
- falta de detalhamento sobre profundidade e estratos dos poços,
- incertezas sobre rebaixamento do lençol freático e efeito em nascentes,
- carência de balanço hídrico proporcional à vazão solicitada.
A conclusão do parecer foi que os estudos precisam ser complementados e que as perfurações fiquem restritas aos seis poços já executados.
Outro parecer, da consultoria GEOMA, anexado ao inquérito, reforçou a vulnerabilidade do aquífero e indicou a necessidade de Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), conforme previsto pela Lei Federal 15.190/2025.
Posições da empresa e da política
Em reunião com a Comissão de Serviços Públicos da Assembleia Legislativa, em 18 de agosto, a presidente da Corsan, Samanta Takimi, declarou que a empresa atua em conformidade com normas legais e ambientais. A companhia afirmou manter diálogo com autoridades e a comunidade, com objetivo de garantir abastecimento com segurança e qualidade.
Já a deputada federal Fernanda Melchionna (Psol-RS) solicitou audiência com o ministro da Integração e do Desenvolvimento Regional, Waldez Góes. Para a parlamentar, é necessário discutir os riscos da exploração hídrica em nível federal: “O encontro deve servir para apresentar documentos, debater os riscos da exploração e buscar encaminhamentos junto a órgãos competentes.”
Ação judicial e fundamentos legais
A Ação Cautelar Antecedente apresentada pelas associações de Águas Claras baseia-se no artigo 225 da Constituição Federal, que assegura o direito ao meio ambiente equilibrado, e na Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei 9.433/1997).
O pedido liminar solicita a suspensão imediata das perfurações, do uso dos poços já perfurados e da obra da adutora até julgamento final. O processo argumenta risco de dano irreversível ao aquífero e cita os princípios da Prevenção e do Não Retrocesso Ambiental, que vedam a redução de níveis de proteção conquistados.
As associações também apontam a existência de alternativas, como a Estação de Tratamento de Água (ETA) do Lami, que poderia atender à demanda sem impacto sobre o aquífero.
A ação principal deverá ser uma Ação Civil Pública, que ampliará a análise das consequências ambientais, sociais e econômicas do projeto.
O Brasil de Fato procurou a Corsan e a matéria será atualizada em caso de retorno da assessoria.