A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar as recorrentes falhas no serviço da CEEE Equatorial e da RGE promoveu a primeira das sete audiências públicas, no fim da tarde desta segunda-feira (8). O objetivo do encontro, que ocorreu no Plenarinho da Assembleia Legislativa do RS em formato híbrido, foi escutar a comunidade de Porto Alegre e região sobre a qualidade do serviço de energia elétrica prestado pelas concessionárias.
Os relatos revelam precarização dos serviços desde a privatização da companhia pelo governo Eduardo Leite (PSD).
Funcionário público aposentado, Jorge Airton Ramires, do bairro Partenon, de Porto Alegre, afirmou que chegou a ficar 16 dias sem energia elétrica na sua residência após um temporal. Uma árvore caiu em cima da sua casa e os fios de energia ficaram expostos por dias em frente ao local. O fornecimento de energia elétrica só foi restabelecido após Ramires conceder entrevistas a diversos veículos de comunicação relatando o drama vivido pela família. Ao mesmo tempo, a esposa enfrentava um câncer e fazia sessões de quimioterapia.
“Não podia sair da minha residência porque a árvore que caiu arrebentou os fios”, destacou, lembrando que precisou expor o tratamento da esposa para poder restabelecer a energia elétrica em casa. Preocupado com a demora no atendimento da empresa, Ramires registrou cerca de 20 protocolos de reclamação. Todos sem sucesso. “Houve um descaso do poder público com o pagador de impostos. Eu liguei para a Defesa Civil, não fizeram nada. Liguei para a Anatel, não fez nada. Liguei para vários órgãos. Liguei para o Procon. Liguei para aquele Reclama Aqui. Fiz com todos. Ninguém resolveu. O que resolveu foi eu ter exposto a minha esposa com câncer, que ainda está fazendo tratamento”, destacou.
Representando o Grupo Moradores da Rua 35, do bairro Jardim Algarve, em Alvorada, Alexandre Félix da Rosa afirmou que houve piora no fornecimento de energia elétrica aos moradores do município após a concessão. Entre os problemas enfrentados pelos consumidores, mencionou instabilidade na rede de energia elétrica, falta de luz por longos períodos (mais de 12 horas) e despreparo das equipes de manutenção.
“Nunca tivemos uma situação tão difícil em termos de energia elétrica. Há dois anos meu bairro vem sofrendo continuamente. No verão faltava energia elétrica todos os dias. E na caída da noite, quando aumenta a demanda, por volta das 20h30, estourava os fios e parava tudo”, relatou. Por conta dos recorrentes problemas no serviço de energia elétrica, os moradores criaram um grupo no Whatsapp onde trocam informações e reúnem protocolos de atendimentos registrados pela população durante episódios de falta de luz.
De acordo com Rosa, o descaso com os moradores chegou ao ponto em que técnicos da CEEE Equatorial alegaram problemas no fornecimento de energia por conta do elevado consumo da população daquela região. “Disseram que deveria ter cerca de 20 pessoas tomando banho ao mesmo tempo ou poderia ter ‘gatos’”, relatou, em referência a ligações elétricas clandestinas. “É uma situação insustentável”, criticou, lembrando que também precisou trocar o motor da máquina de lavar roupas após um episódio de queda de luz.
Dirce Kruger, da Associação de Moradores do Bairro Ipe, de Guaíba, afirmou que quase 2 mil pessoas moram na comunidade. Os moradores de uma das ruas, segundo a líder comunitária, buscam uma solução porque aumentou o número de famílias e de consumo, mas a rede permaneceu a mesma e agora está insuficiente. A enchente também piorou a qualidade dos serviços, segundo a moradora, pois os postes que já estavam inclinados, agora estão amarrados com cabos, cordas e escoras. “Nosso receio é que no momento de corte de luz, cortem a luz de algum morador e este não possa religar porque a rede está condenada”, afirmou.
De acordo com Kruger, há no bairro uma creche fechada há três anos devido à falta de energia elétrica. Os moradores fizeram contrato com a prefeitura de Guaíba para a regularização da situação, mas a Equatorial se recusa a religar a energia sob a alegação de que ela não está regular e não possui infraestrutura necessária. “Tentamos em todos os âmbitos. Para buscar a rede nova, pediram que protocolássemos um pedido para que a rua viesse a ter um CEP. Isso foi feito, mas a Anatel informou que a área deveria ser regularizada porque não era. Em parceria com a prefeitura, foi regularizada, mas a rede de energia ainda não foi restaurada.”
Multas retroativas
Conselheiro titular do Orçamento Participativo, da Cruzeiro, em Porto Alegre, Juarez Souza de Oliveira questionou a cobrança de multas retroativas a moradores daquela região, após a instalação de redes de energia na região. Conforme Oliveira, as multas cobradas pela CEEE por conta de ligações clandestinas, em alguns casos, chegam a R$ 1,7 mil por residência. Diante desse problema, ele solicitou uma reunião com a direção da empresa para tratar desse assunto.
“A ideia era botar luz em toda a comunidade, mas com uma tarifa social. Quem tivesse uma bolsa, seria valor reduzido. Não fomos recebidos nenhuma vez. Quando eu vi essa força-tarefa, eu achei que a ação já tinha começado. Hoje estão vindo para fazer ação, mas o que a gente se deparou foi que eles estão nos assaltando. Isso pra mim é um assalto. Não estou defendendo as pessoas que estavam com a luz irregular”, afirmou.
Profissionais sem capacitação
Outra comunidade prejudicada pela privatização da CEEE foi a de Viamão. De acordo com o ex-prefeito do município, Eliseu Ridi Chaves, que representou a Associação de Moradores do Bairro Santa Isabel, os serviços pioraram muito após a venda da estatal. E um dos motivos, segundo ele, foi a demissão dos funcionários antigos da companhia pública, que conheciam a rede e sabiam resolver os problemas com rapidez.
“Agora eles chegam lá, averiguam o problema e dizem que não é para eles e chamam outra equipe. Até a outra equipe chegar, passam-se mais de duas horas e às vezes dias”, relatou. O contrato de profissionais inexperientes e a falta de capacitação por parte da Equatorial também foram apontados pelo líder comunitário como causas da morte de três funcionários em Capão da Canoa, Bagé e Palmares do Sul.
Ridi observou a necessidade da população procurar ajuda judicial para solucionar os problemas. “Em março de 2024 morreu uma criança de 11 anos por causa de fio energizado na rua e pelo que sei, a família não conseguiu a indenização”, afirmou, acrescentando que os principais problemas registrados em Viamão devido à precarização do serviço são falta de energia, a demora no restabelecimento, a queima de eletrodomésticos, a falta de indenização e a burocracia. “Uma pequena fábrica de massas teve prejuízo de R$ 12 mil, vai ter que entrar com ação, mas demora. Tem a burocracia, tem que fazer três orçamentos”, exemplificou, lembrando que, enquanto isso, as pessoas ficam sem trabalhar.
Presidente da Associação de Moradores Atingidos pela Enchente em Eldorado do Sul, José Odeni do Prado de lara, afirmou que no tempo da CEEE, quando aconteciam alagamentos, a companhia dava um prazo e dois meses de isenção da conta. “Agora, a CEEE Equatorial concedeu um prazo, mas depois cobrou e a conta veio mais cara”, ressaltou.
Após cada depoimento, os parlamentares presentes fizeram questionamentos aos convidados. Além de Miguel Rossetto (PT), presidente da CPI, participaram as deputadas Laura Sito (PT), Stela Farias (PT) e Sofia Cavedon (PT) e os deputados Capitão Martim (Republicanos), o vice-presidente da CPI, Marcus Vinícius (PP), e o relator, Luciano Silveira (MDB), Tiago Cadó (PDT), lton Weber (PSB), Halley Lino (PT) e Tiago Simon (MDB). Também vereadores da região Metropolitana e o ex-prefeito de Porto Alegre José Fortunati estiveram presentes na audiência.
Convite a prefeitos
Antes da audiência pública, os deputados que compõem a CPI aprovaram convite a 12 prefeitos, entre os quais o da Capital, Sebastião Melo (MDB), e à Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs).
Foram convidados para a próxima audiência gestores dos seguintes municípios: Osório, Arroio Grande, Guaíba, Viamão, Piratini, São Lourenço do Sul, Jaguarão, Pelotas, Camaquã, Rio Grande e Imbé.
O colegiado confirmou ainda a realização de mais quatro audiências públicas: Santana do Livramento, Caxias do Sul, Novo Hamburgo e Erechim. Com isso, no total, sete cidades vão receber os deputados para tratar dos serviços prestados pela CEEE Equatorial e RGE. Na reunião anterior da CPI, os parlamentares já tinham aprovado audiências públicas em Porto Alegre, Osório e Rio Grande.
“A CPI demonstra claramente a sua intenção e dedicação no sentido de ampliar ao máximo a possibilidade da escuta da nossa comunidade em relação ao nosso objeto, que é a qualidade da prestação de serviços públicos”, afirmou o líder da Bancada do PT/PCdoB e presidente da CPI, Miguel Rossetto.
A próxima reunião da CPI ocorre na próxima segunda-feira (15), às 16h, na Assembleia Legislativa. Em seguida, será realizada a segunda audiência pública.