O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), pediu a anulação “por incompetência absoluta” do processo contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros sete réus por tentativa de golpe de Estado.
O magistrado afirmou que os réus já perderam os seus cargos e, por isso, não deveriam ser julgados como se tivessem foro privilegiado. “Concluo, assim, pela incompetência absoluta do Supremo Tribunal Federal para o julgamento deste processo, na medida em que os denunciados já haviam perdido os seus cargos. E, como é sabido, em virtude da incompetência absoluta para o julgamento, impõe-se a declaração de nulidade de todos os atos decisórios praticados. De sorte, senhor presidente, que a minha primeira preliminar anula o processo por incompetência absoluta”, disse o ministro.
Incompetência da Primeira Turma
Fux também divergiu em relação à segunda preliminar, que diz respeito à incompetência da Primeira Turma e a competência do plenário do Supremo Tribunal Federal para julgar o caso.
“O plenário do Supremo Tribunal, instância de deliberação mais importante da mais alta corte do Poder Judiciário brasileiro, tem como missão julgar os ocupantes de cargos mais elevados e de maior relevância do país. Ao rebaixar a competência originária do plenário para uma das duas turmas, estaríamos silenciando as vozes de ministros que poderiam exteriorizar sua forma de pensar sobre os fatos a serem julgados nesta ação penal”, afirmou, defendendo, por esse motivo, a nulidade de todas as ações relativas ao processo.
“A competência para o julgamento do Presidente da República [Jair Bolsonaro] sempre foi e continua sendo o plenário da Casa. Dirão os senhores que é ex-presidente, mas está sendo julgado como tal, porque se não se é ex-presidente, deveria ir para os juízes de primeiro grau, mas está sendo julgado como presidente. Se está sendo julgado como se presidente fosse, essa ação deveria se iniciar no pleno do Supremo Tribunal Federal”, declarou Fux.
Cerceamento do direito ao contraditório
Em seguida, o ministro Luiz Fux analisou o argumento das defesas de cerceamento do direito ao contraditório por abundância de material probatório e curto espaço de tempo para análise do conteúdo da investigação. “Essa preliminar, a garantia constitucional ao contraditório à defesa, se dá em razão da disponibilização tardia de um verdadeiro tsunami de dados sem identificação suficiente e antecedência minimamente razoável para a prática de atos processuais”, disse Fux.
O ministro citou que a Polícia Federal apreendeu 1,2 mil equipamentos eletrônicos e extraiu 255 milhões de mensagens de áudio e vídeo com peritos federais, o que resultou em 1.214 laudos. “Foi exatamente nesse contexto que as defesas alegaram cerceamento de defesa em razão dessa disponibilidade tardia que apelidei de um tsunami de dados, sem indicação suficiente de antecedência minimamente razoável para a prática dos atos processuais”, alegou o magistrado.
“Eu acolho a preliminar de violação à garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa e reconheço a ocorrência de cerceamento. E, por consequência, eu declaro a nulidade do processo desde o recebimento da denúncia”, declarou.
Por outro lado, e para a surpresa do plenário, Fux defendeu a validade da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, e a manutenção dos benefícios fixados no acordo de colaboração. As defesas dos réus haviam solicitado a anulação do documento.
Na terça-feira (9), o ministro já havia indicado que iria divergir dos ministros Alexandre de Moraes e Flávio Dino, que votaram a favor da condenação dos réus e afastaram todas as preliminares colocadas pela defesa, como a suposta incompetência do STF. “Vossa Excelência está votando nas preliminares. Eu vou me reservar o direito de me manifestar sobre elas na oportunidade em que for votar. Desde o recebimento da denúncia, por uma questão de coerência, sempre ressalvei que fui vencido nas posições. Só acho que voltarei a esse ponto. Muito embora, assim como Vossa Excelência está votando de forma direta [no mérito], eu também votarei diretamente, mas abordarei também as questões preliminares”, disse na ocasião.
Julgamento
A Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu a condenação de todos os réus: Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República; o ex-presidente Jair Bolsonaro; Mauro Cid, ex-ajudante de ordens; Almir Garnier, ex-comandante da Marinha; Anderson Torres, ex-ministro da Justiça; Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa; Walter Braga Netto, ex-chefe da Casa Civil; e o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ).
“Todos os personagens são responsáveis pelos eventos que se concatenam entre si. O grau de atuação de cada qual no conjunto dos episódios da trama é questão de mensuração da culpa e da pena, mas não da responsabilidade em si”, defendeu o procurador-geral da República (PGR), Paulo Gonet.
“A tentativa de insurreição depende de inteligência de eventos que, desligados entre si, nem sempre impressionam sob o ângulo dos crimes contra as instituições democráticas, mas que vistos em seu conjunto destapam uma unidade na articulação de ações ordenadas ao propósito do arbítrio e do desbaratamento das instituições democráticas”, disse o PGR em outro trecho.
A condenação ou a absolvição será definida por maioria simples da Primeira Turma, ou seja, pelo menos três dos cinco ministros. Além de Moraes, o colegiado é formado por Cristiano Zanin, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Flávio Dino. Independentemente do resultado do julgamento, as partes podem recorrer da decisão no próprio STF. A previsão é que o processo seja concluído na sexta-feira (12).
Todos são os réus respondem pelos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União, com considerável prejuízo para a vítima, e deterioração de patrimônio tombado. As penas podem chegar a cerca de 40 anos de prisão.