O novo primeiro-ministro da França, Sébastien Lecornu, prometeu, nesta quarta-feira (10), uma ruptura com seus antecessores, ao assumir como o quinto chefe de Governo desde 2024. Mas uma líder de oposição ouvida pelo Brasil de Fato vê poucas chances de isso acontecer e o país resolver a crise política em que se encontra, incapaz de aprovar o orçamento para o ano que vem e em meio aos protestos contra o presidente Emmanuel Macron, que resultaram em dezenas de pessoas presas.
Ao BdF, Florence Poznanski, dirigente nacional do Parti de Gauche (“Partido de Esquerda”, em português) e integrante do movimento A França Insubmissa, diz acreditar que “a crise política vai piorar” porque Macron escolheu um nome ainda mais à direita que Bayrou.
“Não vai mudar nenhuma orientação política, a não ser talvez para com a extrema direita. Lecornu era o escolhido para negociar com a representante do Reagrupamento Nacional [o maior partido da extrema direita, que foi chefiado por Marine Le Pen, hoje inelegível].”
Lecornu, que era ministro da Defesa, tem como principal missão elaborar os orçamentos para 2026. Para isso, deverá enfrentar desafios como a falta de maioria no Parlamento, os protestos que pedem maior justiça social e a necessidade de sanear os cofres públicos: a dívida pública é de cerca de 114% do PIB.
“Serão necessárias rupturas, e não só na forma (…) também no conteúdo”, afirmou o novo primeiro-ministro durante a cerimônia de transferência do poder, ao lado de seu antecessor, François Bayrou – este último, o segundo chefe de governo a cair no Parlamento em nove meses. Sem revelar detalhes, o político de 39 anos prometeu ser “mais criativo” e “mais sério na forma de trabalhar com as oposições”, sobretudo em um cenário em que o governo carece de maioria parlamentar. “Conseguiremos”, “nenhum caminho é impossível”, disse, tentando demonstrar otimismo.
Mais do mesmo
Florence Poznanski diz que a rapidez do anúncio indica que Macron já planejava escolher Lecornu, “que vai dar continuidade a toda a política, que começou o [Michel] Barnier, que o Bayrou continuou. Com essa escolha, ele não cria nenhuma abertura para dialogar com outras forças políticas que censuraram [derrubaram] Bayrou e que estão em postura majoritária no governo”, aponta Poznanski.
“Provavelmente o Lecornu não vai durar muito tempo, o que nos deixa com a questão: Macron vai seguir com esse governo fraco até 2027 ou vai aceitar seu fim antes?”, questiona. Para ela, a nomeação ocorrer neste dia de protestos, foi “uma provocação”.
Mônica Lessa, do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) acredita que “nada vai diminuir o descontentamento da direita e da esquerda. É mais do mesmo. Acho que vai ‘flopar’, como os outros quatro [premiês que a França teve desde o ano passado].”
“As manifestações de hoje [quarta] pedem a demissão de Macron e novas eleições. O campo progressista, que se organizou na chamada Nova Frente Popular, composta por social-democratas, socialistas, populistas de esquerdas, ecologistas, comunistas, anticapitalistas e sindicatos, formou uma coligação que nas eleições legislativas de 2023 impediu uma maioria parlamentar de Macron”, resume.
Protestos
O presidente viu a França entrar em uma profunda crise política em 2024, quando sua fracassada antecipação das eleições legislativas deixou uma Assembleia Nacional (Câmara Baixa) sem maiorias claras e dividida em três blocos: esquerda, centro-direita governista e extrema direita.
O episódio mais recente foi a queda de Bayrou, quando buscava o apoio dos deputados para seu plano orçamentário para 2026, que planejava 44 bilhões de euros (R$ 280 bilhões) em cortes e a eliminação de dois feriados nacionais. O plano aumentou o descontentamento social e, por meio das redes sociais, um dia de bloqueios e manifestações foi organizado nesta quarta-feira. Uma greve “maciça” também foi convocada pelos sindicatos para 18 de setembro.
Desde a madrugada desta quarta, Paris e outras cidades registraram bloqueios de estradas e escolas, interrupções em algumas linhas de trem e confrontos pontuais com as forças de segurança. Em Marselha, milhares de pessoas se manifestaram para expressar seu “cansaço” com as políticas liberais do presidente, que chegou ao poder em 2017, pedindo também a sua “renúncia”, segundo correspondentes da AFP.
Quase 200 pessoas foram detidas, principalmente em Paris e seus subúrbios, indicaram as autoridades. A nomeação de Lecornu, um homem de confiança de Macron, não acalmou os ânimos.
“É um tapa” que o presidente “está nos dando”, afirmou um manifestante ouvido pela AFP em Lyon.