Ao longo de quatro semanas, a deputada estadual Dani Portela (Psol) conviveu com uma denúncia de que estaria destinando verba pública a uma empresa fantasma no nome de um familiar seu. Mas, no último dia nove, o Ministério Público de Contas arquivou o caso, atestanto que a contratação em questão não tem irregularidades. A empresa Coutinho Assessoria Ltda., de Wildson Pinto Coutinho, presta serviços de gestão de informação e comunicação ao gabinete da parlamentar. Coutinho é tio não-consanguíneo do esposo de Portela.
Horas após receber a decisão do MPC pelo arquivamento da denúncia, Dani Portela conversou com o Brasil de Fato Pernambuco sobre o caso. “Aqui na Assembleia Legislativa temos direito a uma verba para contratar pessoas (CPF) e também para serviços (CNPJ). E nesse segundo grupo contrato assessoria jurídica e parte da comunicação. E ele [Wildson Coutinho] é uma pessoa com mais de 30 anos de experiência na área de tecnologia e dados, que possui um sistema de gestão que alimenta toda a minha equipe”, explica a deputada.
Portela conta que, na eleição municipal de 2020, uma empresa de São Paulo que prestava serviço a políticos locais passou a vender os dados e contatos de um político para outro. “Eu não queria passar por isso, então precisava contratar alguém da minha absoluta confiança. Mas essa pessoa é marido da irmã da mãe do meu companheiro, então é um parente de 4º grau e por afinidade, quando a legislação só proíbe a contratação com parentesco de 1º ou 2º grau”, se defendeu Dani. “Até seu o meu companheiro fosse o deputado, ele ainda assim poderia contratá-lo”, completou.
Em declaração à imprensa, o procurador-geral do Ministério Público de Contas, Ricardo Alexandre, afirmou que a deputada “trouxe elementos, documentos, fotos, prints de conversas no Whatsapp e notas fiscais que mostram a regularidade fiscal da empresa, a existência da empresa e também da prestação de serviços”, pontuou, descartando a acusação de que se trataria de uma “empresa fantasma”.
A denúncia da suposta irregularidade da deputada surgiu dias após ela aprovar a abertura de uma CPI para investigar um contrato do Governo do Estado com a empresa E3 Comunicação Integrada Ltda pelo valor de R$ 120 milhões ao ano, podendo se estender por 10 anos, alcançando os R$1,2 bilhão. A empresa, segundo o pedido de abertura da CPI, pode estar ligada a Waldemiro Teixeira, primo da governadora Raquel Lyra (PSD). Veja a posição da gestão sobre o caso no fim da matéria.
O Tribunal de Contas do Estado (TCE) abriu uma investigação sobre o caso e chegou a pedir a suspensão do contrato, mas na última segunda-feira (8) divulgou um relatório afirmando não haver irregularidades no contrato.

“Modus operandi bolsonarista”
A deputada Dani Portela (Psol) lembra do dia e da forma em que as denúncias contra ela surgiram nas redes sociais. “Fui dar uma entrevista numa rádio e reparei que na transmissão ao vivo, na tela, começaram a surgir comentários me chamando de ‘quem é você para falar da governadora?’, ‘sua ladra’, ‘corrupta’ e eu não estava entendendo – ‘isso é comigo?’. Os comentários surgiram simultaneamente, foi algo organizado. Leveu um susto”, lembra ela, que não sabia do que se tratava. Minutos antes, um disparo em massa por Whatsapp espalhou a denúncia contra ela protocolada no MPC.
Posteriormente foi revelado que o disparo de mensagens, assim como a denúncia anônima, foram encabeçadas pelo jornalista e economista Manoel Medeiros Neto, figura de confiança da vice-governadora Priscila Krause (PSD), com quem ele trabalhou de 2011 a 2022. Medeiros ocupava, havia 10 meses, um cargo de assessor especial do Governo de Pernambuco, mas pediu exoneração após se tornar alvo do deputado Álvaro Porto (PSDB), presidente da Alepe, que o qualificou como “chefe da milícia digital”. Medeiros diz ter agido “cumprindo o papel de cidadão”.
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Na visão de Dani Portela, a ação para destruir sua imagem reflete a aproximação da governadora Raquel Lyra com o bolsonarismo. “É o modus operandi do bolsonarismo, que é quem melhor se apropriou e sabe usar este método de Whatsapp e notícias falsas para destruir adversários”, resume. “Sempre recebi críticas nas minhas redes. Mas isso foi diferente. Desde 2024, um conjunto de perfis passou a vir ao meu perfil sempre que eu criticava a governadora. Eram sempre os mesmos perfis, que iam também às redes de outras pessoas que a criticassem. Então havia uma coordenação”, pontua a deputada.
A parlamentar também pontua a importância de uma legislação que coibam esse tipo de ação usando plataformas digitais. “Viemos de uma eleição difícil em 2022 e acho que em 2026 não será diferente. Então é muito importante falarmos da regulamentação das mídias sociais e das chamadas ‘big techs’”, diz Portela.

Portela menciona ainda uma série de outros perfis nas redes sociais que ela crê que integram uma rede. “São perfis que recebem verba publicitária da Secretaria de Comunicação, outros com pessoas lotadas em órgãos estaduais ou que têm contratos de publicidade com o governo”, diz ela. “Não sou contra um cidadão que faz uma denúncia. Todo mundo pode fazer e acho que deve fiscalizar mesmo. Mas foi algo orquestrado para desconstruir minha imagem. Atacou minha honestidade, algo muito importante para uma mulher negra que tem trajetória”, avalia. “O objetivo era criar um fato político”, conclui.
O Brasil de Fato Pernambuco entrou em contato com a Secretaria de Comunicação do Governo de Pernambuco, deixando o espaço caso desejem se posicionar sobre as críticas e suspeitas levantadas pela deputada. Até o momento não fomos respondidos. O espaço segue aberto.
A deputada do Psol também considera que os adversários não encontraram motivos reais para denunciá-la. “Eu não me licenciei nem na maternidade. Nunca me licenciei para viagem internacional. Eu sou a deputada que menos usa diárias [de viagens] e verba parlamentar. Só no 1º semestre deste ano já devolvi R$ 80 mil de verba de gabinete que eu não consegui usar. Devolvo combustível”, lista Portela.
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A governadora Raquel Lyra, que trocou o PSDB pelo PSD visando ingressar na “base” do governo Lula, parece ter jogado a toalha em relação a contar com o apoio do presidente da República ou mesmo do seu partido no pleito de 2026. Na mais recente visita do petista a Pernambuco, a governadora optou por não participar de nenhuma das três agendas com Lula, deixando o campo aberto para o seu futuro adversário, o prefeito do Recife, João Campos (PSB), associar sua imagem à do presidente. Ao mesmo tempo, Lyra tem se reaproximado de figuras bolsonaristas no estado, como os irmãos Anderson e André Ferreira (PL) e o deputado federal Eduardo da Fonte (PP).
A CPI contra Raquel Lyra
As denúncias que resultaram na abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Alepe dizem respeito ao processo licitatório aberto no edital nº 1360.2024.0001, cujo resultado foi publicado no Diário Oficial do dia 1º de abril de 2025, confirmando as contratações das empresas Nova S. A., BTS Comunicação Ltda, BCA Propaganda Ltda e a E3 Comunicação Ltda. A denúncia no TCE foi oficiada pela empresa RXZ Comunicação e Publicidade Ltda, que viu indícios de irregularidade no processo.

Dani Portela diz que não fazia ideia de que a abertura da CPI incomodaria tanto a cúpula do Governo do Estado. “Agora eu tenho uma dimensão dos interesses com os quais estamos mexendo”, pontua. Ela conta que as agências de publicidade fizeram uma representação afirmando que a licitação feriam o princípio da ampla concorrência, por excluir 95% das empresas locais. “Além disso, a possibilidade de relação de um primo da governadora com a empresa vencedora [E3 Comunicação], que se instalou em salas pertencentes a ele e contratou uma funcionária que trabalhou por 16 anos para ele”, destaca a deputada.
Ela também pretende incluir outros contratos da comunicação governamental na CPI, para investigar se há verba pública abastecendo uma suposta rede de ataques contra adversários da governadora Raquel Lyra. “A CPI não é contra a propaganda. Sei que o recurso paga campanhas para matrículas nas escolas, por exemplo. Mas quero saber se também tem dinheiro público indo para esses sites minúsculos e perfis em redes sociais usados para promover a gestão estadual e para atacar adversários, uma espécie de milícia digital”, pontua Portela.
Em nota enviada ao BdF, a Secretaria de Comunicação do Governo de Pernambuco afirma que realizou “todo o processo licitatório de acordo com a legislação vigente, respeitando os princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade e transparência”. “A possibilidade de renovação por até 10 anos segue o previsto na Lei 14.133/2021, que autoriza prazos estendidos para serviços contínuos — como é o caso da publicidade institucional. (…) O processo de seleção foi conduzido por critérios técnicos, objetivos e públicos, sem qualquer interferência externa”, diz o texto.