Termina neste domingo (14) a construção de mais uma obra de arte do Morro Arte Mural (MAMU), desta vez no Aglomerado da Serra, a maior favela de Minas Gerais, localizada na regional Centro-Sul de Belo Horizonte. A obra, que aborda a temática “Águas da Serra”, foi formulada em processo criativo que envolveu diretamente a história e demandas da comunidade.
A escolha pelo Aglomerado da Serra é simbólica e conectada com a cidade. Com mais de 46 mil moradores, distribuídos em 1.470.483 metros quadrados, a comunidade é um território vivo, com potência cultural em constante ebulição, além de um importante polo econômico e grande referência de produção artística periférica.
Morro Arte Mural
O principal objetivo da iniciativa é potencializar a arte e criação em diversas regiões, de modo a envolver toda a comunidade, com a participação de moradores e artistas locais, treinados em oficinas de formação artística.
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Dessa forma, para a organização da iniciativa, o projeto não só embeleza o ambiente urbano e periférico, como ajuda a construir um senso de pertencimento e coletividade entre os moradores, transformando a arte em um elemento de transformação social, através dos macro murais.
São obras de arte de grande escala, pintadas em fachadas de prédios ou casas, que, quando observadas de longe, formam uma imagem complexa. No MAMU, as casas de comunidades são a “tela” para a pintura, em um imenso mosaico que pode ser apreciado de diferentes pontos de vista. Em Belo Horizonte, o projeto já construiu murais em três comunidades.
Uma mudança deste ano é que a arte foi pensada para tornar os moradores os maiores apreciadores do projeto. Em outras edições, o projeto privilegiou a vista de quem passa por grandes avenidas da cidade, como na Avenida dos Andradas, na primeira edição, no Alto Vera Cruz, em 2018; na Vila Nova Cachoeirinha, em 2022; e Avenida Senhora do Carmo, no Morro do Papagaio, em 2024.
Um dos pilares é a valorização da comunidade local. Neste sentido, prioriza-se contratações e fornecedores que fomentem o desenvolvimento social e econômico de produtores a artistas locais. As obras começaram oficialmente no dia 14 de julho, com a instalação dos primeiros andaimes. A pintura teve início no dia 18 de agosto e será entregue no início da próxima semana.
A construção da arte e o debate das águas
O desenho foi concebido por Jorge dos Anjos, um dos grandes nomes da arte contemporânea brasileira, natural de Ouro Preto, e reconhecido como Mestre do Notório Saber pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ele enriqueceu o cenário mineiro com suas esculturas, uma delas presente na Lagoa da Pampulha. Apesar disso, de acordo com a organização, a participação local é amplamente reforçada durante toda execução.
Como as casas, que formam um grande mural, a comunidade, em coletivo, se transforma em uma grande equipe e decide como e o que será feito. Desde a chegada ao território, a produção se colocou em escuta ativa. Deste diálogo emergiu o tema da preservação dos mananciais que cortam o morro. Essas águas não só contribuem para o abastecimento da região, mas também no fornecimento hídrico de toda a capital mineira.
“Em uma cidade que cresceu muitas vezes de costas para seus rios e córregos, o projeto propõe um reencontro poético, cultural e político com suas águas originárias. Mais do que recursos naturais, essas águas carregam as memórias de um território profundamente conectado com o meio ambiente”, explica Juliana Flores, diretora artística e curadora do projeto.
Embora a região do Aglomerado da Serra seja dividida pelos registros municipais em diversos bairros, “a população divide o território como as três águas”, e enfatiza a importância que esses mananciais têm para a história local.
“Antigamente cada água tinha um propósito. Uma era pra lavar a roupa, outra era pra beber e fazer comida, tomar banho e por aí vai”, conta Maria Conceição da Costa, moradora e filha de Dalila Monteiro, uma das maiores lideranças do Aglomerado.
Enquanto elemento simbólico, no relato dos moradores, as águas figuram de diversos modos: no nome da Rua da Água, onde pulsa um dos maiores baile funks da cidade; nas trilhas que revelam córregos e quedas d’água preservadas entre as encostas; e nos desafios de acesso que ainda persistem no território, com períodos recorrentes de escassez.
“O tema ‘Águas da Serra’ busca, assim, ativar a escuta e o olhar sobre essas águas visíveis e invisíveis, celebrando sua força e convocando a imaginação coletiva para sua proteção”, complementa Flores.
Dessa forma, nesta edição, o MAMU evoca os fluxos vitais que atravessam o Aglomerado da Serra e sua importância simbólica, histórica e ecológica para Belo Horizonte.
O processo de construção do mural
“É importante reconhecer que a Serra já é um polo cultural. Por si só ela já tem grandes artistas. A arte é do Jorge dos Anjos, mas quem sobe pra pintar são os artistas locais. Tem o macro mural, tem os jovens com a pintura do cantão e tem as crianças com muro da rua da água. Vamos promover um encontro intergeracional e deixar esse presente pro Serrão”, declara Fatini Forbeck, diretora criativa do projeto.
Para possibilitar a participação ampla e segura dos moradores, ao longo de todo o processo artístico e na pintura em si, foi ofertado, à equipe de pintores, um treinamento especializado da Norma Regulamentadora 35 (trabalho em altura), considerado essencial para a prevenção de acidentes em atividades realizadas acima de dois metros de altura.
De acordo com a produção, que acompanha a organização da atividade, a iniciativa é desafiadora, mas extremamente recompensadora.
A quarta edição do projeto foi viabilizada por meio da Lei Estadual de Incentivo à Cultura de Minas Gerais e da Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte. A Cemig é parceira do projeto desde a primeira edição, e apoia o projeto também neste quarto mural.