O deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) iniciou uma ofensiva contra figuras públicas brasileiras que criticaram o governo dos Estados Unidos nas redes sociais. Parte da investida foi pedir à embaixada estadunidense o cancelamento dos vistos de famosos, como o influenciador Felipe Neto e o comentarista esportivo Pedro Certezas.
Mariana Chaise, cientista política e pesquisadora do Centro de Estudos de Opinião Pública, ligado à Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), afirma que esse tipo de atuação se sustenta na lógica de conflito permanente, em que a construção de inimigos políticos e culturais é central para a mobilização das bases.
Nessa linha, Nikolas Ferreira “testa diariamente a sua força com base em engajamento, em repercussão e é valorizada por essas métricas dentro da própria estrutura da extrema direita. O bolsonarismo, em particular, é altamente performático. É nisso que eu venho trabalhando e que eu venho chamando de representação reativa dentro do debate sobre o que é a representação política”.
Segundo a pesquisadora, esse estilo político encontra terreno fértil nas redes sociais, que funcionam como palco privilegiado para a disputa simbólica. Ao “postar, marcar a embaixada, pedir o cancelamento de vistos”, o objetivo é “tão somente performar antagonismos”.
Do eleitorado, representantes como Nikolas Ferreiras são mais “recompensados” justamente por “sinalizar essa dureza contra um inimigo” do que por entregas verificáveis, como leis aprovadas. “É menos sobre prestar contas, metas, prazos, resultados auditáveis. É mais sobre engajamento, views, compartilhamentos, a amplificação midiática que alcança. O objetivo dele é disciplinar e intimidar o dissenso político democrático”, diz Chaise.
“O resultado desse tipo de ação é gerar esse ciclo de radicalização. Para manter o engajamento da base, ele precisa escalonar esse antagonismo, escalonar e degradar consequentemente o debate e a possibilidade de cooperação política, de diálogo político”, afirma.
Para reafirmar o caráter performático do comportamento do deputado federal, a pesquisadora lembra que o comportamento tem sido acionar um governo estrangeiro que não é a via institucional. “Isso revela que o objetivo dele é justamente esse. Ele está sinalizando virtudes para a sua própria base: ‘Olhem até onde eu vou, eu vou até às últimas consequências’, e não necessariamente procurando uma resposta diplomática”, conclui.
As publicações de Nikolas Ferreira
Em seu perfil no X, o deputado da extrema direita e aliado de Jair Bolsonaro (PL), pediu aos seus seguidores que reunissem todas as publicações de Felipe Neto — que está atualmente nos Estados Unidos — com críticas ao presidente Donald Trump e marcou o perfil da embaixada no post.
O comportamento de Nikolas Ferreira provocou, em seguida, a reação de outros famosos. O humorista Whindersson Nunes ironizou a atuação do deputado: “Imagina a missão do deputado que tu votou ser fazer o Felipe Neto não entrar nos EUA. Patético”.
Em seguida, Nikolas rebateu e publicou uma foto de Vitão insinuando que Whindersson teria “perdido” a ex-namorada Luísa Sonza para o cantor. Whindersson respondeu sugerindo um ménage, ao que Nikolas retrucou e disse que o humorista tem problemas de saúde mental. Por fim, o humorista publicou: “Setembro amarelo e o deputado faz piada com a morte do meu filho. Votado pelo povo, governa apenas para os seus, uma pena para o país”, disparou.
Em relação a Pedro Certezas, Nikolas publicou uma imagem com ofensas do comentarista a Donald Trump de novembro de 2020 e disse que “seria uma pena ele não poder ir pra Copa do Mundo”, já que Certezas trabalha com esportes, e também marcou o perfil da embaixada dos EUA. O comentarista também comemorou nas redes sociais a condenação de Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal (STF) a 27 anos e três meses de prisão por tentativa de golpe de Estado.
O cantor Júnior também foi alvo do deputado bolsonarista depois de se manifestar contra o projeto de lei que prevê anistia aos condenados pela trama golpista. Durante o seu show no festival The Town, em São Paulo, Júnior gritou: “Anistia é o caralho, porra”. Em seguida, Nikolas publicou: “Gritar sem anistia é fácil… difícil é saber quem você é sem a Sandy”, atacou o deputado federal.
Em outras duas publicações, ele também sugeriu o cancelamento do visto do jornalista Eduardo Bueno e do DJ Rapha Lima, que teriam celebrado a morte do influenciador da extrema direita Charlie Kirk, líder da juventude trumpista assassinado nos Estados Unidos.
A ofensiva começou após a condenação de Bolsonaro e outros sete réus no STF pela trama golpista. Com a sentença, os apoiadores do ex-presidente reúnem todos os esforços pela aprovação da anistia no Congresso Nacional e por retaliações de Donald Trump contra o Brasil, como a tarifa de 50% sobre os produtos brasileiros importados, imposta em agosto deste ano.
Ao oficializar a tarifa, o republicano saiu em defesa de Bolsonaro, o que reforçou o caráter político da medida. “A ordem considera que a perseguição, intimidação, assédio, censura e processo politicamente motivados pelo governo do Brasil contra o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro e milhares de seus apoiadores são graves violações dos direitos humanos que minaram o Estado de direito no Brasil”, diz um trecho do comunicado oficial da Casa Branca.
O documento também diz que Alexandre de Moraes, relator da ação penal contra Bolsonaro, “tem abusado de sua autoridade judicial para ameaçar, atingir e intimidar milhares de seus oponentes políticos, proteger aliados corruptos e suprimir dissidências”, diz outro trecho. Além da tarifa, Trump sancionou o ministro com base na Lei Magnitsky, que permite a Washington impor sanções a cidadãos estrangeiros acusados de corrupção em larga escala ou graves violações de direitos humanos.
Esta não é a primeira vez, no entanto, que Nikolas Ferreira se mostra favorável ao cancelamento de vistos de estrangeiros nos Estados Unidos. Em maio deste ano, quando presidia a Comissão de Educação da Câmara, o parlamentar defendeu a suspensão de vistos para estudantes estrangeiros no país. Segundo o deputado, tratava-se apenas de uma análise de perfil estudantil. A posição, contudo, contrasta com sua defesa, em outras ocasiões, da liberdade irrestrita de expressão na internet.
“Alguns deputados do PT estão dizendo, por exemplo, que a suspensão dos vistos de estudantes pelos Estados Unidos seria uma medida praticamente totalitária, mas, na verdade, o que eles estão fazendo é só uma suspensão para poder analisar as redes sociais dos estudantes que querem aplicar o visto nos Estados Unidos”, disse o parlamentar.
