Foi instalada nesta terça-feira (16), na Câmara dos Deputados, a comissão especial que vai analisar a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 27/2024, apelidada pelos movimentos sociais de “PEC da Reparação”. A proposta adiciona à Constituição Federal um novo capítulo que trata da “promoção da igualdade racial” e cria um fundo para o combate ao racismo.
O texto foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara no dia 27 de agosto, e esse é o último passo antes de ser levado à votação no plenário. A comissão tem um prazo regimental de 40 sessões para analisar uma PEC, sendo prorrogáveis por mais 20 sessões.
No começo da reunião desta terça-feira, foi eleita a mesa diretora da comissão. O deputado bolsonarista Hélio Lopes (PL-RJ) se candidatou à presidência, mas teve apenas o seu próprio voto. Dessa forma, a grupo será presidido pela deputada Benedita da Silva (PT-RJ) e terá como primeiro vice-presidente o deputado Márcio Marinho (Republicanos-BA), segunda vice-presidenta, deputada Dandara Tonantzin (PT-MG), e terceiro vice-presidente o deputado Josivaldo JP (PSD-MA).
A presidenta da comissão destacou a importância de aprovação de uma mudança constitucional, criando, portanto, uma política de Estado imune a alternâncias de governo. “Não é programa de governo, é política de Estado”, afirmou. “Temos o entendimento de que esse governo é sensível, mas não sabemos quem virá ou quem poderá vir. Então é preciso que a gente preserve todos esses avanços”, destacou a parlamentar.
“Estamos em conferência discutindo a igualdade racial e ali tem representantes dos movimentos de esquerda, mas tem também o de movimento de direita. Por quê? Porque o objetivo maior é que essa negrada esteja fortalecida e que ela esteja qualificada e capacitada para que a gente possa fazer o nosso embate intelectual, ideológico, de formação de um sistema do qual não se pode excluir negros e negras”, completou.
Ao final de sua intervenção, a deputada Benedita da Silva se emocionou. “Estamos cansados. Chegou a nossa hora, chegou a hora de aprovar essa PEC e chegou a hora de a gente mandar essa mensagem poderosíssima para os estados, para os municípios, para todos os cantos. E eu quero ver nessa casa, quem vai ser o corajoso que vai votar contra nós”, desafiou a parlamentar, que nomeou como relator da PEC na comissão especial o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) que, por sua vez, homenageou os movimentos negros do Brasil.
“Chegamos aqui a partir da luta da nossa ancestralidade, chegamos aqui a partir da luta dos movimentos sociais, sobretudo do século 20. Eu quero dizer nesse momento: muito obrigado a cada homem, a cada mulher que construiu e constrói o movimento negro brasileiro. Essa é uma conquista do movimento negro brasileiro”, declarou o deputado.
Por outro lado, Silva destacou que a aprovação da proposta em plenário não será tarefa fácil, e propôs uma grande campanha nacional em torno ao tema. “Não será uma operação simples, não será uma tarefa simples, vai ser importante nós engajarmos no Brasil inteiro. Seria muito importante nós produzirmos uma campanha no Brasil inteiro”, propôs.

O autor da PEC, deputado Damião Feliciano (União Brasil-PB), afirmou que a aprovação da PEC será um marco histórico na luta contra o racismo e em defesa da democracia. “Não existe país democrático e justo com racismo e que a cor da pele ela seja diferente para se ter acesso à educação ou à saúde. Nós fomos o último país da América do Sul a abolir a escravidão, mas nós vamos ser o primeiro do mundo a fazer a reparação”, afirmou o deputado, que prestou homenagem ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
“O presidente Lula foi, dos presidentes, o que mais fez pela negritude brasileira de todos os presidentes”, disse o deputado.
A próxima reunião da comissão especial será no dia 30 de setembro.
O que diz o texto?
A principal proposta do texto é a criação do Fundo Nacional de Reparação Econômica e de Promoção da Igualdade Racial (FNREPIR) “com o objetivo de promover a igualdade de oportunidades e a inclusão social da população negra brasileira”. Os recursos serão administrados por instituição financeira federal e serão destinados a financiar projetos de promoção cultural, social e econômica dessa população.
O projeto prevê ainda as fontes de recursos para a criação do fundo, entre as quais, eventuais indenizações que serão cobradas de empresas que, reconhecidamente, lucraram com a escravidão da população negra brasileira no Brasil.
“Vai ter a questão da indenização a serem cobradas das empresas que reconhecidamente lucraram com a escravidão da população negra. Como fazem, como fazem os negros estadunidenses com a Coca-Cola? É só no Brasil que a gente toma Coca-Cola sem receber nada de nada da Coca-Cola. Mas lá nos Estados Unidos não. A negrada cobra a Coca-Cola porque eles tomam Coca-Cola”, declarou a deputada Benedita da Silva na sessão desta terça.
Também estão previstas doações internacionais e dotações orçamentárias da União, que deverão chegar a R$ 20 bilhões em 20 anos, distribuídos igualmente ao longo do período, ou seja, R$ 1 bilhão anual.
A PEC ainda institui um conselho consultivo e de acompanhamento de gestão do fundo, composto por representantes do poder público e da sociedade civil.
Conferência Nacional
A instauração da comissão especial coincide com a realização da 5ª Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Conapir), que iniciou na segunda-feira (15), em Brasília, após sete anos sem ser realizada. O evento vai até a próxima sexta-feira (19).
Após a cerimônia de abertura da Conapir, a ministra Anielle Franco falou, em uma coletiva de imprensa, sobre a importância da aprovação da PEC.
“Muita gente fala que a reparação se tem apenas na questão financeira. É óbvio que a gente concorda com esse ponto, porque é uma reivindicação histórica de muitos anos do movimento negro. Mas a reparação, ela também se dá de outras formas e é isso que a gente tem tentado defender”, disse a ministra.
“Essa luta histórica, onde todos nós conseguimos, primeiro, se assumir pessoas negras, depois, conseguir reivindicar, terceiro, fortalecer a democracia e daí criarmos políticas públicas transversais. Para mim, isso também é o início de uma reparação, que não termina agora”, avaliou.
Na mesma linha, a presidenta do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial (CNPIR), Marina Duarte, defendeu a aprovação da PEC como instrumento para o combate estrutural ao racismo, identificado por ela como “o principal alicerce da desigualdade social no Brasil”.
“Garantir orçamento, transversalidade radical em todas as áreas e enfrentar sem medo o racismo como pilar que sustenta a desigualdade nesse país. É por isso que o fundo é urgente”, destacou a conselheira.