O fantasma da restrição ao uso de banheiros conforme o “sexo biológico” voltou a rondar, desta vez em Petrópolis, região serrana do Rio de Janeiro (RJ). A aprovação da Lei Municipal nº 9.081/2025 não é um detalhe administrativo, mas uma afronta direta à cidadania, um esforço para institucionalizar a transfobia em pleno século 21. Diante desse absurdo, eu e a vereadora Lívia Miranda (PCdoB-RJ) recorremos ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro com uma Representação de Inconstitucionalidade, pedindo medida cautelar para suspender imediatamente os efeitos da norma.
Não se trata apenas de uma disputa jurídica. Trata-se da defesa de princípios constitucionais básicos: a dignidade da pessoa humana, o direito à identidade de gênero, a igualdade e a privacidade. Ao impor que pessoas trans utilizem banheiros diferentes de sua identidade, a lei expõe milhares de cidadãos e cidadãs ao constrangimento público e ao risco de violências físicas e psicológicas. Mais do que ilegal, é desumano.
Essa preocupação não é apenas nossa. Empresários da região que já adotaram políticas de inclusão e diversidade, diante da lei, se veem obrigados a retroceder. Muitos investiram tempo e recursos para criar ambientes de trabalho mais justos e agora se deparam com uma norma que os empurra para trás. É revelador: até o setor empresarial entende que não há como se modernizar economicamente negando direitos.
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Há também a dimensão da saúde. Negar o uso adequado de banheiros obriga pessoas trans a evitarem esses espaços, resultando em sérios problemas no trato urinário, infecções renais e outros danos irreversíveis. É um ataque à saúde pública, que soma sofrimento físico ao constrangimento social. Imaginar mulheres trans forçadas a usar banheiros masculinos, ou homens trans em banheiros femininos, não é apenas absurdo: é cruel e inviável na prática.
Por trás dessa lei está um embate simbólico sobre a própria realidade. Uma pessoa trans não é um destino biológico negado, mas alguém que vive e se expressa socialmente como mulher ou homem. Como já ensinava Simone de Beauvoir, ninguém nasce pronto: a identidade se constrói na prática cotidiana, na vida concreta. A lei de Petrópolis, portanto, não apenas afronta a Constituição e o Supremo Tribunal Federal, que já reconheceu a transfobia como crime equiparado ao racismo; ela também tenta negar a realidade social das pessoas trans.
Resistiremos a cada tentativa de retrocesso. O espaço público é para todas, todos e todes. O banheiro é parte do direito à cidade, à saúde, à dignidade. E não aceitaremos que seja sequestrado pelo ódio, pela intolerância e por um projeto político que insiste em segregar quem luta por existir.
*Dani Balbi (PCdoB) é professora, escritora e deputada estadual no Rio de Janeiro.
*Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.