Em sete décadas a China conseguiu tirar mais de 800 milhões de pessoas da pobreza, enfrentando as contradições geradas pelo rápido crescimento ao apostar em um modelo que respeita tanto a natureza quanto a imensa população do país. Os caminhos adotados pela segunda maior economia do mundo para isso foram debatidos em um encontro nesta quarta-feira (17) na livraria Expressão Popular, em São Paulo.
“O país entendeu que desequilíbrio ambiental gera injustiça social, que acaba prejudicando o crescimento e danificando ainda mais o meio-ambiente, em um ciclo vicioso que precisava ser interrompido”, explicou a pesquisadora Tings Chak, do Instituto Tricontinental. O evento apresentou edição especial da revista Wenhua Zongheng, que aborda o tema da transição ecológica chinesa.
Tings explica que já na primeira década do século o governo entendeu que o modelo de desenvolvimento então adotado era insustentável. O país resolveu então mudar a rota.
“Entre 2006 e 2010, a China deixou de olhar exclusivamente para o crescimento do PIB e incluiu a sustentabilidade na equação. Passou então a investir em um controle eficiente da poluição e investir em energias renováveis”, explicou.
“No começo da década passada o país decretou ‘guerra’ à poluição, e o termo importa, por ser o mais alto chamado à mobilização popular. Como resultado, os níveis de poluição caíram mais de 40%, a expectativa de vida cresceu e o país aumentou em 25% suas áreas verdes.”
Como resultado, explica a pesquisadora, a capital Pequim tem hoje mais que o dobro do número de dias com qualidade do ar considerada boa do que tinha há dez anos.
“Me incomoda quando no Ocidente rotulam o que ocorreu na China como um milagre. Foi planejamento desenvolvido e aplicado ao longo de décadas, com três grandes eixos: restauração ecológica, transição agrícola e uma nova economia energética”, explica Tings Chak.
A pesquisadora assinou um dos três artigos publicados na edição da Wenhua Zongheng, no qual explica como o país une ciência com vivência popular. “Cientistas são deslocados para passar muito tempo, em alguns casos mais de dois anos, imersos em comunidades para compreendê-las, respeitar suas necessidades e processos para então buscar soluções que estejam em harmonia com elas”.
“É uma via de mão dupla, porque aprendem os processos do campo e fazem ciência os contemplando.”
Tornar o desespero esperança
Bárbara Loureiro, do setor de produção do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), também participou do encontro. Ela explicou que as mudanças climáticas que batem à porta não podem ser negadas, muito menos sua causa: o modelo capitalista predatório que enxerga a natureza apenas como fonte de lucro.
“A abordagem mecanicista é o caminho que nos levou para a pior crise ambiental da História da humanidade. Cada um tem algo a contar sobre isso, como as enchentes no Rio Grande do Sul“, explica Loureiro.
“Há uma disputa ideológica em curso. Vão se normalizando cenários apocalípticos, a ideia de que não há solução, para que o capitalismo continue fazendo o que sempre faz. No Brasil não se ataca as causas estruturais do problema, o agro incorpora o rótulo ‘verde’ e segue fazendo o mesmo de sempre.”
Bárbara Loureiro explica que tanto o agronegócio quanto a mineração são responsáveis pelo desequilíbrio ambiental, e a solução é apostar em formas sustentáveis de produzir comida.
“Existe a necessidade de se massificar a agroecologia, não como projeto alternativo, mas estrutural. Temos que cuidar das sementes, usar energias renováveis, uma mecanização agrícola adequada e bio insumos”, diz ela, que explica que a parceria com a China vem proporcionando a pequenos produtores brasileiros máquinas fundamentais para a produção agroecológica.
“As máquinas agrícolas que o Brasil fabrica são para as monoculturas do agro. A China produz máquinas adequadas para o pequeno agricultor”, diz ela.
“É impossível não prestar atenção na crise climática atual e o que a China faz sobre isso. Que essa sensação de desespero climático que sentimos todos seja ressignificada em esperança que impulsione os povos a mudarem o modelo de produção”, conclui.