A Comissão de Direitos Humanos (CDH) da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) realizou uma fiscalização na comunidade terapêutica Liberte-se, localizada no Lago Oeste, nesta terça-feira (16). O estabelecimento é uma das unidades da clínica que pegou fogo no Paranoá, região administrativa do DF, no começo deste mês e deixou cinco mortos. Três homens foram presos após a diligência, sendo dois donos do local.
Internos foram levados a depor na 35ª Delegacia de Polícia. Com os relatos sobre graves irregularidades no local, como cárcere privado, agressões físicas, restrição de contato com familiares e administração irregular de medicamentos, a Polícia Civil do DF (PCDF) deflagrou a operação Portas Abertas que culminou na prisão dos donos da clínica.
“A 35ª delegacia foi informada que havia irregularidades no local, como pessoas em cárcere privado, pessoas privadas de falar com seus familiares e também pessoas que noticiavam agressões por parte dos funcionários. Equipes da 35ª foram até o local, onde 27 internos foram encaminhados para a DP para serem ouvidos em termos de declarações e confirmaram as irregularidades”, explicou o delegado Ricardo Viana.
Após coletar as informações, as equipes policiais localizaram os proprietários da clínica e um coordenador, autuados em flagrante pelo crime de cárcere privado.
Condições insalubres
Segundo denúncias, a instituição adota práticas como a “laborterapia”, onde os pacientes trabalham em rotinas exaustivas como uma espécie de “terapia do trabalho”. Além disso, eram obrigados a participarem dos cultos evangélicos diariamente, e caso recusassem, eram punidos.
Alguns internos alegaram que nunca receberam nenhum tipo de atendimento psicológico durante a estadia. Eles destacam, também, que cada consulta psiquiátrica chega a R$ 300, além dos custos com a internação, e que o atendimento é feito via telefone. Os valores da internação variam entre R$ 1600 a R$ 1800, a depender do alojamento em que estão inseridos. Também é cobrada uma taxa de deslocamento se o paciente necessitar de atendimento médico. Os valores variam entre R$ 150 a R$ 200.

Presidente da CDH, o deputado distrital Fábio Félix (Psol) esteve presente na vistoria e conheceu as condições às quais os pacientes eram submetidos. De acordo com ele, durante a atuação como assistente social, nunca havia se deparado com uma situação parecida.
“As cenas que eu vi lá são cenas muito tristes e que me chamaram muita atenção. Eu já fiz muita diligência, já fui em presídio. Eu sou assistente social do sistema socioeducativo. Já visitei uma série de unidades, inclusive hospitalares, no auge da Covid. Mas o que eu vi lá, eu não tinha visto em relação às condições. As condições que essas pessoas estão”, relatou.
O parlamentar também relembrou o incêndio na clínica Liberte-se do Paranoá e pediu que a tragédia sirva de reflexão sobre o tratamento do uso abusivo de álcool e drogas: “Não se trata o uso abusivo de álcool e drogas tirando a dignidade e desrespeitando os direitos humanos das pessoas. Eu não conhecia a instituição antes, conheci ali. Tendo as evidências, nós temos hoje um relatório detalhado, imagens detalhadas da situação que encontramos e achamos importante, nesse momento, o poder público enfrentar essa situação”.
O mandato do deputado distrital Gabriel Magno (PT), presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Saúde Mental, também acompanhou a visita ao local. Ele destacou as denúncias de organizações da sociedade civil sobre as práticas nas comunidades terapêuticas no DF.
“Algumas [comunidades terapêuticas] recebem, sim, recursos públicos do Fundo da Política de Drogas. É importante dizer isso porque é necessário, urgente, que o Estado passe a regular e a fiscalizar as comunidades terapêuticas. Várias delas, são denúncias o tempo inteiro de cárcere privado, de torturas e violações como a de hoje do Instituto Liberta-se”, ressaltou em sessão na Câmara Legislativa desta terça-feira (17).

Professor do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB) Pedro Costa também acompanhou a fiscalização. Para ele, as condições em que os pacientes eram acometidos na comunidade terapêutica eram bárbaras. “Confesso que vi muita CT [comunidade terapêutica], muita instituição manicomial, algumas até com violações ainda mais bárbaras, mas essa em termos de quantidade foi a pior”, afirmou.
“De fato esse caso da CT Liberta-se só reitera uma vez mais que a violência e as violações de direitos não são casos isolados, no que se refere às CTs. São normais desse tipo de instituição. Mais um motivo por que elas precisam ser fechadas”, pontuou.
Em nota divulgada no dia 10 de setembro, o Conselho Distrital de Saúde do Distrito Federal repudiou as violações de direitos ligadas às comunidades terapêuticas após o incêndio da clínica Liberte-se no Paranoá. “Este é um dos inúmeros motivos para que o cuidado a pessoas com necessidades associadas ao consumo de álcool e outras drogas deva ser feito por serviços públicos e não-manicomiais da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), como, por exemplo, os Centros de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas (CAPSad), Unidades de Acolhimento (UAs), consultórios na rua, leitos em hospitais gerais, dentre outros”, diz a nota.
O Brasil de Fato DF tentou contato por meio dos números de telefone disponíveis nas redes sociais da Clínica Liberte-se, mas até o fechamento desta reportagem não houve retorno. O espaço está aberto para manifestação.