“O que aconteceu é bastante grave, é um atentado à sociedade brasileira, não apenas à própria história do Congresso”. Esta é a avaliação do cientista político e professor Francisco Fonseca, sobre a aprovação da chamada Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Blindagem. Ele destaca a reviravolta em torno do voto secreto: na terça-feira (16), os deputados derrubaram a manobra, mas, nesta quarta (17), ela foi restaurada.
“É tanta blindagem, ocultação, opacidade, que [o voto] precisa ser secreto também. Quem vota favoravelmente a acobertar um crime de um parlamentar precisa esconder o próprio voto”, critica Fonseca. “Contraria os princípios mais elementares da democracia, da República, que é o poder público em público”, complementa. A PEC propõe restringir investigações e processos contra parlamentares, criando mecanismos para dificultar punições judiciais por crimes.
O professor esclarece que a proposta não é uma garantia de imunidade parlamentar, mas sim um salvo-conduto para a impunidade irrestrita. “Não é à toa que os críticos apelidaram a ‘blindagem’ de ‘bandidagem’. Isso não é sem motivo: protege o trabalho escravo, a corrupção, a associação com o crime organizado. Tudo isso fica blindado”, explica. “O Congresso brasileiro é constituído por um grupo altamente conservador e uma parte deste grupo vinculado a negócios escuros quer se proteger”, denuncia.
Fonseca lembra que o projeto alcança até as chamadas emendas Pix, repasses sem transparência que driblam a fiscalização, facilitando gastos inadequados e ineficientes, impropriedade administrativa e corrupção por parte de municípios e estados. Esses recursos movimentam cerca de R$ 50 bilhões, previstos no Orçamento da União para 2025. “Blinda todas as formas completamente ilegais, imorais da moralidade pública”, repudia.
Apesar do avanço na Câmara, o cientista político acredita que a medida deve ser vetada no Senado, diante de declarações do presidente da Casa, Davi Alcolumbre (União-AP), e do também senador Otto Alencar (PSD-BA), que comanda a Comissão de Constituição e Justiça.
“Bolsonaro usa hospital como refúgio político”
Fonseca também critica a forma como o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), condenado a mais de 27 anos de prisão por liderar a tentativa de golpe de Estado em 2022, tem utilizado sua condição de saúde no cenário político. Ele lembra que Bolsonaro, diagnosticado com câncer de pele, “sempre foi muito valentão nos seus discursos” mas, em momentos de fragilidade, recorre a hospitais como estratégia de autoproteção.
“O hospital, para ele, é um refúgio político”, avalia. Para o cientista, a condição de saúde não deveria impedir o ex-presidente de cumprir a pena determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em regime fechado. “Por mais que ele possa ter algumas dessas doenças, o fato é que nada impede dele cumprir a sua pena na Papuda”, diz.
Segundo Fonseca, Bolsonaro tenta transformar problemas médicos em pretexto para evitar a sua prisão. “A doença sempre foi, para o Bolsonaro, uma desculpa política quando ele estava vulnerável”, reforça.
“Se houver anistia, esperemos outro golpe”
O professor ainda foi enfático ao avaliar as tentativas da base bolsonarista e do Centrão de emplacar um projeto de anistia para os envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro. Para ele, a medida fere a Constituição e representaria a repetição de um crime.
“Não faz nenhum sentido falar em anistia. Atentar contra o Estado Democrático de Direito não tem anistia. Está no texto constitucional. Propor a anistia é propor outro crime para manter aquele crime que não se consumou”, classifica.
Fonseca recorda que a história brasileira mostra os riscos desse caminho. “Quem tentou dar o golpe de Estado vai tentar dar novamente. Já vimos isso antes de 1964 [ditadura militar no Brasil]. Os golpistas foram anistiados e depois teve o golpe. Então, se houver anistia, esperemos outro golpe”, compara.
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