Na manhã desta quinta-feira (18), famílias da ocupação às margens do rio Poti, no município do Conde(PB), estiveram na Defensoria Pública da Paraíba em busca de apoio institucional diante da derrubada de barracos e do corte de energia elétrica, ocorridos no dia 14 de junho durante uma ação acompanhada pela Polícia Militar. Os moradores afirmam que a operação não teve ordem judicial e foi marcada por ameaças e violência verbal.
A ocupação teve início em 1º de junho, quando cerca de 50 famílias passaram a viver em uma área abandonada próxima ao rio Poti, no município do Conde. O terreno estava sem utilização há mais de 50 anos, o que levou as famílias – muitas pagando aluguel, outras sem alternativas dignas – a se instalarem no local. Entre os ocupantes, há mulheres grávidas, lactantes e crianças, que buscam no espaço uma forma de sobrevivência.

No dia 14 de junho, pela manhã, o suposto proprietário da área chegou acompanhado pela Polícia Militar. Um dos barracos foi derrubado e a energia elétrica cortada. Os ocupantes relataram que a ação foi marcada por agressões verbais e ameaças. Jovens foram obrigados a levantar a blusa e questionados sobre suas motos; os policiais teriam avisado que, caso saíssem do local com elas, seriam apreendidas. Para as famílias, o uso da força, sem ordem judicial e sem diálogo, foi extremamente intimidador.
Samara Silva, moradora da ocupação, declarou: “Nós moramos numa ocupação e entramos aqui no dia 1º de junho. No dia 14, um suposto dono chegou com policiais, derrubou barracos e cortou a energia. Nenhum documento foi apresentado, ele nem se identificou, só queria saber quem éramos nós. Os policiais pediram que os rapazes levantassem a blusa, disseram que se saíssem de moto iriam apreender as motos e até ameaçaram que poderiam dar tiros neles”.

Ela acrescentou que barracos foram derrubados com móveis dentro, mas a comunidade reconstruiu no mesmo dia. “Hoje temos cerca de 50 barracos. Eles ameaçaram voltar com trator, mas não voltaram. O suposto dono ainda registrou boletins de ocorrência contra três moradores e contra mim, me acusando de ameaça. É inacreditável acusar uma mulher de ameaçar um proprietário junto com policiais armados”, completou.
Defesa e irregularidades
O Movimento dos trabalhadores por direitos (MTD) acompanhou os moradores até a defensoria pública, onde pediram proteção. Segundo Gleyson Melo, o movimento entende que houve violações de direitos humanos e de garantias legais, uma vez que a derrubada ocorreu sem ordem judicial e com participação de forças policiais.

Melo relatou que, após o registro do boletim de ocorrência, à noite as famílias foram surpreendidas novamente pela presença ostensiva da polícia militar. Segundo ele, mais de quatro viaturas chegaram ao local, que estava escuro, em uma abordagem considerada totalmente inadequada, já que, de acordo com ele, a polícia “não tem nada que estar lá”. Ele acrescentou que os ocupantes foram ameaçados a deixar a área, mas, diante do boletim de ocorrência, os policiais recuaram e saíram do local.

Melo ainda explicou que, posteriormente, a presença de guardas municipais do Conde foi considerada estranha, pois a área não pertence à prefeitura. Além disso, agentes municipais fizeram georreferenciamento no terreno, como se estivessem loteando a área. Ele completou que, em seguida, as famílias também foram surpreendidas pela polícia civil, que notificou os moradores – especialmente aqueles que haviam registrado o boletim – para prestarem depoimentos sobre os acontecimentos.
Atuação institucional
Natasha Batusich, da Comissão Estadual de Prevenção à Violência no Campo e na Cidade (COECV), destacou que a comissão tem como função receber denúncias de ameaças, atentados e atos de violência extrajudicial em conflitos fundiários. “Assim que recebe denúncias, a COECV aciona instituições que podem contribuir com a solução do conflito. Também pode realizar diligências, monitorar encaminhamentos e propor medidas de solução fundiária, prevenindo novas violações de direitos humanos”, explicou.
Além da Comissão de Combate à Violência no Campo na Cidade, a defensoria pública também acompanha o caso. Há intenção de formalizar denúncia junto ao Núcleo de Controle Externo da Atividade Policial do Ministério Público da Paraíba (MPPB), órgão responsável por fiscalizar a atuação da polícia (civil e militar) no estado para garantir que ela respeite a legalidade e os direitos humanos, prevenindo abusos e violações.
Melo explicou que, para as famílias, é estranho existir um processo em segredo de justiça que as envolve. Segundo ele, em alguns momentos o delegado de plantão não compareceu para atendê-las, e em outros, foi o delegado regional quem assumiu os atendimentos. A falta de transparência é vista como um fator adicional de insegurança. As famílias exigem do Estado a garantia de moradia digna, bem como a proteção de sua integridade física, moral e psicológica, além da investigação completa das ações policiais.
“Além dos policiais fazerem ameaças, dizendo que o trator iria passar por cima se não saíssem e que precisavam deixar o local, é importante lembrar que a polícia militar não deveria se envolver nisso. Trata-se de uma disputa litigiosa pela posse da área. As famílias precisam garantir o exercício da função social da propriedade, assegurada pela Constituição, e ocupar o terreno”, afirmou ele.
Até o momento, a prefeitura do Conde não se manifestou oficialmente sobre o caso. O MTD reafirma que continuará os trâmites legais, com apoio da defensoria pública e da COECV, para impedir novos abusos. A reportagem tentou entrar em contato com Tarcísio, da assessoria de comunicação da Polícia Militar da Paraíba, para obter esclarecimentos sobre a atuação da corporação na ocupação, mas até o fechamento desta matéria, não houve retorno.