O Supremo Tribunal Federal (STF) terminou o julgamento do núcleo crucial da trama golpista na última quinta-feira (11) que levou à condenação dos réus por articulação de um golpe de estado. O STF entendeu que o principal articulador desse processo foi o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), condenado a 27 anos de prisão. Ainda há possibilidade de recorrer de algumas das decisões tomadas pelo STF, mas diante do placar de 4×1 não é mais possível reverter as condenações e análises publicadas pelo Brasil de Fato estimam que o processo se encerre em novembro, quando os condenados poderão ser presos em regime fechado.
O único a escapar dessa prisão mais imediata é o deputado federal e ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) Alexandre Ramagem (PL-RJ). Ele foi condenado a 16 anos de prisão, inicialmente em regime fechado. Em seu perfil no X, o deputado se defendeu dizendo não ser citado na delação do ajudante de ordens Mauro Cid e no voto do ministro Luiz Fux quando ele diz que o STF não teria competência para julgar a ameaça de golpe, pediu a nulidade do processo contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e aliados e absolveu Ramagem. No entanto, o principal motivo da condenação do deputado está relacionado ao uso da Abin para espionar desafetos do ex-presidente e descredibilizar as urnas eleitorais, no ficou conhecido como ‘Abin Paralela’ conforme denunciado pela Polícia Federal (PF) e evidências trazidas pela Procuradoria Geral da República (PGR).
Além da decisão de condenação, o STF pediu a perda do mandato na Câmara uma vez que o período de reclusão ultrapassa os 120 dias permitidos para faltas na Câmara, além da exoneração de cargo público. Além disso, Ramagem também é delegado federal. No entanto, o STF não pode determinar de forma unilateral a perda de mandato nem a perda de cargo público.
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No caso da perda de mandato, a advogada e presidente do Instituto Parla, Monike Santos, explicou ao Brasil de Fato que a Constituição prevê, em seu artigo 55 que a decisão final é da Câmara e deve ser feita por maioria absoluta, ou seja, os votos da totalidade dos deputados precisa ser contabilizada, não basta apenas os presentes. “Essa arquitetura reforça o controle democrático e colegiado, evitando que a resposta institucional dependa de um único ator. Embora a decisão do STF imponha efeitos relevantes, a consumação da perda do mandato ainda deve respeitar a dimensão política e colegiada do Parlamento, sob pena de desequilibrar a separação de Poderes”. A partir da instauração do processo o plenário tem até 90 dias para deliberar sua decisão, mas ela pondera que o cumprimento do prazo irá depender da conjuntura política.
O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), afirmou a aliados que colocará a cassação em pauta, conforme noticiou o jornal O Globo. Essa não seria a primeira vez que ele dá seguimento a um pedido de cassação feito pelo STF. No começo de junho, a condenação definitiva da deputada Carla Zambelli (PL-SP) por invasão do sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2023, levou Motta a levar o pedido de cassação da deputada à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara, que segue o processo de investigação da conduta da deputada.
Para a cientista política e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Mayra Goulart, o mesmo caminho deve ser adotado para Ramagem. “O caminho é a evolução da cassação do mandato do deputado Alexandre Ramagem na Câmara dos Deputados. E me parece que a postura de Hugo Motta é de alguém que não quer contrariar a legislação e essa decisão não precisa ser extrapolada de maneira ideológica, ele está cumprindo sua prerrogativa regimental”, diz.
O cientista político e professor na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), Paulo Ramirez avalia que mesmo dando seguimento, Motta deve criar uma série de obstáculos para atrasar a cassação, até por uma proximidade com parlamentares bolsonaristas. “Vale dizer que falta mais ou menos um ano e três meses para o fim dos mandatos, então a tendência é que isso seja empurrado com a barriga, lentamente”, acrescenta.
No entanto, os analistas demonstram preocupação com as últimas movimentações da Câmara. Nesta terça e quarta-feira foram na Câmara dos Deputados a PEC da Blindagem e a urgência do Projeto de Anistia a parlamentares condenados e que caso avancem, beneficiarão Ramagem. A PEC limita a investigação de deputados e senadores por qualquer outro órgão, inclusive o STF, e prevê necessidade de aval da Congresso. O texto do projeto de anistia está em elaboração e ainda há expectativa sobre a amplitude da proposta: se será ampla e irrestrita ou apenas com redução da pena. A expectativa é a de que as propostas sejam barradas no Senado ou declaradas inconstitucionais pelo STF.
No caso da perda do cargo público, há dois caminhos possíveis. O primeiro é um processo administrativo interno que determine a exoneração e segunda é a condenação criminal transitada em julgado que faça essa determinação de forma expressa. “Essa exigência reforça a importância do devido processo legal, prevenindo que a gravidade dos fatos sirva de fundamento para atropelos institucionais que comprometeriam direitos fundamentais do servidor público”, aponta Santos.