A primeira pergunta sobre esse tema talvez deva ser: porque nós os gaúchos insistimos em encher a paciência dos nossos irmãos do resto do país com esse nosso assunto, tão regional, tão fórum íntimo? A Revolução Farroupilha, ou seja, lá como se queira nominar o evento, não foi um movimento regional, ele estava envolvido no ciclo de revoluções republicanas da América do Sul, do Prata e do Brasil. Ela não foi uma andorinha solitária e pampiana.
Quando hoje, por algum caminho torto, a esquerda se ergue contra os farroupilhas todas as coisas em relação a eles começam a ser postas na presiganga do cancelamento. Mas hoje o que anda na cabeça, anda nas bocas é: não foi revolução coisa nenhuma. Não foi???
De revolutionibus à revolução: nas pegadas do termo
O termo revolução se banalizou no decorrer dos séculos 19 e 20 tornando-se sinônimo de qualquer movimento armado de alguma expressão.
A palavra teve seu uso mais divulgado pela primeira vez no campo da astronomia. Ela compõe o título do importante livro de Nicolau Copérnico sobre a disposição dos movimentos dos astros na galáxia: De revolutionibus orbium celestium (Sobre as Revoluções das Esferas Celestes). Essa designação, revolução, se referia, basicamente, ao que hoje chamamos de rotação. O movimento em que um corpo celeste perfaz uma volta completa em torno de seu eixo voltando ao ponto inicial. O termo foi inaugurado como jargão político na restauração da coroa inglesa, 1688/89, na fase termidoriana do movimento comandado por Cromwell, burguesia e o New Model Army. Nessa oportunidade honrando a ideia de um movimento repetido e incessante de retorno a um mesmo ponto.
Hannah Arendt identificou a data exata de quando pela primeira vez se usou o termo revolução com o sentido de transformação radical de uma sociedade. O autor dessa mutação semântica teria sido o Duque de Liancourt que, na noite do dia 14 de julho de 1789, anunciou ao Rei, Luís XVI o que se passava em seu reino. Luís teria dito “É uma revolta” e Liancourt lhe corrigira “Não, majestade, é uma revolução”.
O conceito se tornou mais complexo e abrangente com as correntes socialistas a partir do começo do século 19. Marx, que já trabalhava com essa ideia desde 1844, aprofundou e ampliou o conceito. Até então a revolução era considerada uma ação circunscrita ao campo da política e das ideias, as condições materiais, que as geravam, eram vistas como atrizes coadjuvantes. A dialética materialista do filósofo alemão passou a indicar que o fenômeno, na modernidade, estava diretamente ligado a revolução dos meios de produção. Marx retirava assim da esfera do subjetivismo e dos humores individuais, a autoria das forças motrizes que geram e impulsionam os movimentos revolucionários. Para ele o principal emulador da revolução não era a vontade dos homens, caráter subjetivo, e sim suas necessidades e sua realidade, o que ele chamava de condições objetivas.
Sujeito a “produção social da sua vida os homens entram em determinadas relações, necessárias, independentes da sua vontade (…) Não é a consciência dos homens que determina o seu ser, mas, inversamente, o seu ser social que determina a sua consciência.”[1]
Entretanto, ao contrário do que muita gente pensa ou prega, Marx não concluía dessa nesse raciocínio que seria possível a transformação social sem a intervenção consciente e organizada dos indivíduos.
“Até quando…?” Um Movimento dirigido por latifundiários e charqueadores escravagistas poderia ter cunho revolucionário?
Este artigo terá será publicado em duas partes.
*Giovanni Mesquita é historiador e museólogo.
**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.
[1] MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. Obras Escolhidas. São Paulo: Alfa-Omega, 1977, vol. 1, p.301