A Colômbia viveu nesta semana um julgamento histórico. Juízes da Jurisdição Especial para a Paz (JEP) condenaram 12 ex-militares do Batalhão La Popa en Cesar por matar 135 pessoas inocentes entre janeiro de 2002 e julho de 2005. Essa foi a primeira condenação contra ex-militares pela apresentação de “falsos positivos”, ou seja: eles apresentaram provas falsas de que as mortes teriam sido realizadas em confrontos.
Os ex-militares foram condenados por crimes contra a humanidade, desaparecimento forçado, assassinato, tortura e perseguição, além de homicídio de pessoa protegida. Eles confessaram ter cometido os crimes e cumprirão penas diferentes. Outros três militares são investigados, mas negaram ter participado dos atos. Um deles é o coronel aposentado Publio Hernán Mejía.
Para German Valencia, professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade de Antioquia, a condenação de ex-militares é fundamental na Colômbia porque as Forças Armadas foram agentes importantes na promoção da violência, mas a responsabilidade no cometimento de crimes contra a humanidade só passou a ser reconhecida em 2013.
“Até 2013, a responsabilidade de conflitos armados na Colômbia era colocada sobre atores alheios às Forças Armadas. Só há 12 anos começamos a aceitar que um dos principais agentes da violência no país eram os militares. Desde os anos 1980, os militares eram associados a massacres e extermínios, mas só agora o governo aceitou que a força pública também participou dessa violência”, disse ao Brasil de Fato.
O marco nessa mudança de perspectiva se deu em 2013, quando foi publicado o relatório Basta Ya. O documento compilou uma análise de 50 anos do conflito armado colombiano e buscava esclarecer e analisar as causas da violência no país. O texto foi resultado de uma pesquisa do Grupo de Memória Histórica (GMH), uma equipe de pesquisadores ligados à Comissão Nacional de Reparação e Reconciliação (CNRR) da Colômbia, que trabalhou entre 2007 e 2013.
Com isso, os militares passaram a ser julgados por atos cometidos durante os conflitos armados no país. Até julho de 2025, a JEP havia registrado a investigação de 4.977 agentes das forças públicas, sendo que, desses, 182 foram condenados pela participação em crimes contra a humanidade.
Valencia afirma que há também o simbolismo de demonstrar a participação do Estado na promoção de violência. Ele entende que o julgamento questiona a atuação dos agentes de segurança ao longo das últimas décadas no país.
“Essa condenação dá essa evidência da responsabilidade do Estado na promoção da violência. Mostra que o Estado tem a sua participação e responsabilidade. A JEP conseguiu vincular as Farc e integrantes das forças públicas. Então se a ideia é condenar as Farc por sequestros ‘falsos positivos’, precisamos condenar também militares que praticam isso e equilibrar as indicações dos autores dos conflitos”, disse.
A aproximação do caso com os recentes julgamentos de militares no Brasil, no entanto, não foi visto como passível de comparação por analistas. A professora de Direito Constitucional da Universidade de Antioquia Dora Saldarriaga, afirmou que não há uma relação direta, já que os crimes cometidos são diferentes.
“No caso do Brasil não há comparação. Na América Latina sempre existiram golpistas e governos militares. No caso dos militares brasileiros, a condenação vai no sentido de uma tentativa de derrubar um governo legítimo. Na Colômbia, o caso é criminal e puramente egoísta, não é um crime político. No caso brasileiro, esses militares vão dizer que queriam o melhor para a Pátria”, afirmou ao Brasil de Fato.
As condenações
Cada ex-militar colombiano recebeu uma pena diferente, variando de cinco a oito anos. As penas foram pequenas porque alguns deles já cumpriam penas na justiça comum por casos correlatos, como a vinculação com paramilitares. A juíza Ana Manuela Ochoa leu durante o discurso o nome de 122 das 135 vítimas dos ex-militares. Os outros 13 não foram identificados até hoje.
Dois padrões foram observados pela juíza. O primeiro foi o de assassinatos e desaparecimentos forçados, nos quais as havia indicação de vítimas de mortes em combates, sem provas. A saída, nesses casos, era vincular essas pessoas a guerrilhas ou grupos criminosos. O segundo padrão era de crimes contra pessoas que foram assediadas e torturadas pelo Batalhão La Popa para que pudessem incriminá-las como integrantes de grupos criminosos.
Ochoa afirmou que as mortes não foram “casos isolados”, mas eram uma conduta sistemática do batalhão. Os ex-militares ficarão presos em regime fechado e prestarão serviços sociais ligados à educação, memória e reparação.
Valencia afirma que o julgamento é importante também para uma mudança de mentalidade na sociedade colombiana. Ele entende que há a percepção de que agentes públicos e das forças de segurança são “heróis da pátria” que combatem o narcotráfico e grupos armados “em defesa do país”.
“Na Colômbia há uma avaliação no imaginário coletivo de que os agentes das forças públicas são heróis da pátria e que, portanto, condená-los como violadores dos direitos humanos seria uma contradição. Não é conveniente em um país que jura defender os direitos da sociedade esteja violando”, concluiu.