O relator do Projeto de Lei da Anistia, o deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), pretende apresentar um relatório com redução de penas para os condenados por tentativa de golpe de Estado em vez de anistia. De autoria do deputado Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), o PL pode beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a 27 anos e 3 meses de prisão.
“Já não se trata mais de anistia. Nós estamos tentando mudar o nome do PL, é um ‘PL da Dosimetria’. Ou seja, estamos tratando de um projeto de lei para reduzir penas”, explicou o parlamentar, que pretende concluir o relatório com sugestões de modificações até a próxima quarta-feira (24).
A Constituição não admite impunidade para quem atenta contra o regime democrático e classifica os crimes praticados por grupos armados contra a ordem constitucional como inafiançáveis e imprescritíveis. A jurisprudência do STF também estabelece que crimes contra a democracia não podem ser anistiados, nem receber graça ou indulto. “Eu não quero mais falar de anistia, vou falar de dosimetria, não tem anistia. A anistia, o Supremo já declarou inconstitucional”, reconheceu Paulinho da Força.
Dosimetria x redução da pena
A advogada criminalista Amanda Vitorino explica que a dosimetria da pena é o processo pelo qual somente o juiz pode definir o tempo de prisão do condenado, considerando fatores como a gravidade e as circunstâncias do crime.
“A fixação da pena vem após a instrução do processo penal e, aí, fixa-se a pena a partir do tipo penal. Por exemplo: homicídio, que é o artigo 121, que é o tipo penal, tem pena de seis a 20 anos. A dosimetria da pena se refere a esse intervalo de 6 a 20 anos. O juiz não pode fixar pena menor que a pena mínima legal. Tem atenuante, tem agravante, tem causa de aumento ou de diminuição. E, aí, ele faz a fixação da pena”, explica a advogada.
O Congresso Nacional não tem competência para versar sobre a dosimetria da pena, mas pode alterar os tipos penais pelos quais os réus foram condenados, como dano qualificado, deterioração de patrimônio público, associação criminosa, tentativa de abolição ao Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.
Ainda no exemplo do tipo penal do homicídio, se a pena mínima é reduzida de seis para quatro anos, uma pessoa condenada a seis anos passará a cumprir quatro anos. “E todos os benefícios e cálculos que derivam da pena, como progressão de regime, são considerados a partir dos quatro anos”, explica.
A mudança é possível, porque a Constituição Federal permite a retroatividade da lei se a mudança beneficiar o réu. “Se fosse para piorar a situação, a lei não seria aplicada para uma pessoa que já foi sentenciada. Mas na hipótese de beneficiar o réu, essa lei é aplicada”.
No entanto, segundo Vitorino, a legislação aprovada pelo Congresso Nacional deve respeitar os princípios do Estado Democrático de Direito e a separação dos Poderes. Portanto, uma lei que contraria a Constituição pode ser declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, já que se trata de um ato normativo que deve respeitar a Carta Magna. Mas a especialista pondera que o texto ainda não está concluído e, por isso, não é possível afirmar, de imediato, que haverá uma declaração de inconstitucionalidade.
Na mesma linha, a advogada Tainã Góis, doutora em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), afirma que, quando o assunto é anistia, há um “entendimento pela inconstitucionalidade, uma vez que os crimes cometidos por essas pessoas são definidos como imprescritíveis e inafiançáveis, e não passíveis de anistia”.
“Como os crimes pelos quais muitos dos réus foram condenados estão na lista de crimes hediondos ou nesse rol do artigo 5º da Constituição, havia o entendimento de que não seria constitucional a anistia”, afirma. No rol do texto legislativo, estão a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos.
“Agora que a proposta parece ser a redução das penas apenas, poderíamos argumentar que a diminuição das penas de crimes considerados hediondos ou inafiançáveis e imprescritíveis criaria uma contradição interna no Código Penal, que puniria mais crimes considerados menos graves e menos crimes mais graves”, diz em relação a outros crimes previstos em lei.