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Apartheid social

Mais de 25 mil ossadas descartadas em 3 anos: exumações não solicitadas expõem memória como privilégio de classe no Recife

Sepulturas temporárias têm prazo máximo de 3 anos nos cemitérios públicos; jazigos perpétuos custam mais de R$ 20 mil

21.set.2025 às 09h23
Recife (PE)
Dominyque Regison
Mais de 25 mil ossadas descartadas em 3 anos: exumações não solicitadas expõem memória como privilégio de classe no Recife

Homem visita túmulo sem lápide em cemitério público de Recife (PE) - Foto: Dominyque Regison

Recife, 11 de julho de 2024. Morre Magdalena Arraes, viúva do ex-governador Miguel Arraes, avó do ex-governador Eduardo Campos e bisavó de João Campos, atual prefeito de Recife. Dos quatro citados da dinastia pernambucana Arraes-Campos, os três primeiros estão enterrados no mesmo jazigo do Cemitério de Santo Amaro, o maior cemitério público de Pernambuco. 

Para a surpresa de ninguém, cada um deles teve seus velórios televisionados, acumulam citações em matérias biográficas e seus túmulos estão no hall dos mais bem preservados do sepulcrário administrado pela Autarquia de Manutenção e Limpeza Urbana (Emlurb). É provável que seus parentes e amigos, enquanto o sobrenome existir, nunca os esquecerão e, regularmente, algum professor de história explicará aos seus alunos a árvore genealógica muito bem registrada da família Arraes-Campos. 

Recife, 2014. Em um leito de hospital, Mariza Fialho, 38 anos, mulher parda moradora do Alto José do Pinho, zona norte de Recife, recebe a notícia de que seu filho recém-nascido morreu por complicações após o parto. Ela não vai ao enterro. Fica em casa, de luto. “Ele era bem branquinho, dos ‘oinho azul’, igual ao pai dele”, conta Mariza, em tom de saudade. De família pobre, suas irmãs quase não tiveram condições de arcar com os custos do velório. No Cemitério de Santo Amaro, o caixão é depositado em uma gaveta, um tipo de jazigo vertical mais barato.

Diferentemente dos integrantes da família Arraes-Campos, o bebê de Mariza não teve seu velório televisionado. Virou apenas um número nas estatísticas de mortalidade infantil, e sua gaveta mortuária não tem qualquer importância para no cemitério. Muito além, sua ossada foi exumada sem aviso, e o jazigo deu lugar ao próximo corpo de sobrenome descartável. Apenas enquanto Mariza existir, alguém lembrará que o bebê de olhos azuis se acalmou nos braços da mãe antes de partir.

Esse é apenas um dos 25.365 casos, somente entre 2022 e 2024, de famílias do Recife que perderam a possibilidade de relembrar seus mortos. Famílias cujos restos mortais de entes queridos têm prazo definido para permanecer em uma sepultura, que pode chegar a, no máximo, três anos, considerando as duas prorrogações possíveis de seis meses. Impedir a remoção não é apenas escolha, também é privilégio de quem pode pagar. A cotação atual para a aquisição de um jazigo perpétuo em cemitérios públicos da capital pernambucana é de R$ 22,6 mil, quase 15 vezes o valor do salário mínimo vigente.

Injustiça post mortem é reflexo da história do país

Entender a razão pela qual a preservação da memória é negligenciada por cemitérios públicos do Brasil passa pela compreensão das práticas de sepultamento na história de Recife. Fundada em 1537, a capital mais antiga do país só teve sua primeira zona funerária regularizada em 1814, com a construção do Cemitério dos Ingleses (British Cemetery). Antes disso, os corpos eram sepultados em locais conforme a classe social da pessoa que morreu.

Aos que ocupavam as maiores posições da hierarquia social, era destinado o “solo santo” mais próximo ao altar das igrejas. Já à burguesia menos abastada, eram reservadas as laterais e paredes das sacristias. À população branca, mas pobre, restavam os terrenos atrás dos templos. “Era uma forma de relacionar o status do falecido à sua proximidade com Deus”, explica o arqueólogo Jôuldes Duarte, pesquisador da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). 

“A gente vê que, no caso dos escravos, que eram considerados ‘sem-alma’, eles eram enterrados em valas coletivas, como na Cruz do Patrão, ou jogados em qualquer lugar – no rio, nos engenhos”, completa.

Registro do século XX mostra local onde escravizados eram enterrados, longe da cidade | Foto: Acervo Fundaj

Embora o processo de urbanização de Recife e a preocupação com questões sanitárias tenham levado à aprovação de leis que proíbem sepultamentos em igrejas, as gestões municipais construíram cemitérios públicos cuja cultura de sepultamento em pouco se distingue do apartheid de classes post mortem do catolicismo colonial. É o caso do local onde estão enterrados os familiares do prefeito João Campos e o corpo exumado do filho de Mariza.

Inaugurado em 1851, o Cemitério de Santo Amaro ocupa uma área de 145 mil metros quadrados, equivalente a 20 campos de futebol. Localizado a 5 minutos do centro histórico de Recife, a arquitetura gótica da planta losangular do espaço é ornada por palmeiras verdes plantadas nas oito ruas principais que levam à capela central. 

Buscando com parcimônia, encontra-se nas alamedas uma dezena de tumbas revestidas com mármore de alto padrão, lapidadas com fotos de personalidades do empresariado e da política pernambucana. O que se destaca, porém, são quase 20 mil sepulturas de concreto deteriorado, túmulos sem nome, gavetas rachadas, lixo no chão, pintura cinza aos pedaços e o cheiro de cadáver exalando pelas frestas.

Nas limitadas salas de velório, pessoas que sofrem a dor do luto sabem que em breve não poderão revisitar o túmulo para terminar de chorar, pois, em pouco tempo, nem a placa em homenagem aos seus mortos restará para lembrar. Nos cemitérios do Brasil, a política de preservar apenas a história funerária das famílias de maior poder aquisitivo resiste à contemporaneidade.

A memória familiar é um privilégio dos ricos

Em pesquisa publicada no livro O Silêncio das Genealogias, Ricardo Costa, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), aponta que, historicamente, famílias das classes mais altas mantém registros de sua genealogia para facilitar a manutenção dos seus membros em posições de poder. Por outro lado, populações marginalizadas, como a comunidade negra, enfrentam, desde a decadência do período colonial, políticas de Estado que dificultam a reconstrução de suas ascendências. 

Dentre elas, uma das principais a legitimar a proibição do conhecimento familiar foi a queima dos arquivos da escravidão, episódio ordenado por Rui Barbosa, em 1891, que apagou os rastros da origem de todos os libertos. Com acesso limitado à educação básica de qualidade, seus descendentes sequer foram estimulados a cultivar o desejo comum por descobrir suas histórias, característica cultural que se perpetua nas populações periféricas até os dias atuais. Além disso, a inexistência destes documentos encobre famílias tradicionais da elite brasileira cuja fortuna adveio do tráfico de pessoas. 

Livro de historiadores expõe decisão de queimar todos os documentos da escravidão | Foto: Fundação Casa de Rui Barbosa

Concessão de uso perpétuo passa de R$ 20 mil 

Nos cinco cemitérios públicos de Recife, todos administrados pela Emlurb, famílias de baixa renda enfrentam dificuldades financeiras para arcar com os custos do velório. Além de taxas de sepultamento, que podem ultrapassar R$ 216,80, elas precisam assumir dívidas com os outros serviços funerários. Na região metropolitana, funerárias locais oferecem planos básicos que podem custar de R$ 1.450,00 a R$ 4.000,00. Além disso, antes do prazo máximo de sepultura temporária, as famílias devem entrar em contato e se responsabilizar financeiramente pela realocação das ossadas. A permanência mínima dos restos mortais, determinada pela legislação, é de dois anos.

A prorrogação do prazo, conforme informou a Emlurb à reportagem do Brasil de Fato, custa R$ 306,74 e estende a permanência do corpo por apenas seis meses, podendo ser solicitado apenas duas vezes. Encerrado o período de três anos, se a família não tiver condições de adquirir uma concessão de uso perpétuo, o próprio cemitério realiza a exumação. Por telefone, a Gerência de Necrópoles explicou que os restos dos cinco cemitérios públicos são recolhidos em sacos plásticos e enterrados em uma vala coletiva no cemitério do Parque das Flores, a 12km do centro de Recife.

A partir daí, dentre os milhares de restos mortais aglomerados no mesmo solo, torna-se quase impossível para a família identificar a localização do corpo novamente. A concessão de uso perpétuo, que poderia preservar esse registro, custa um montante de R$ 20.857,16, segundo dados disponíveis no site oficial da prefeitura. Na ligação, no entanto, a representante que atendeu a reportagem disse que a cotação atual chega aos R$ 22.060, com taxa anual de manutenção de R$ 315,74.

Pilha de corpos descartados equivale a prédio de 20 andares

Conforme dados oficiais divulgado pela Emlurb, somente em 2024, nos cinco cemitérios administrados pela empresa, foram realizadas exumações não solicitadas pelas famílias de 8.884 ossadas. O Cemitério de Santo Amaro é o campeão em descartes não solicitados, totalizando 5.600 corpos neste período, ou 63,03% do total. Já entre os anos de 2022 e 2024, os dados registram que foram realocados impressionantes 25.365 corpos. Se empilhados em uma área de 100m², os corpos formariam um morro de 60 metros de altura – o equivalente a um prédio de 20 andares. 

O Brasil de Fato questionou a Emlurb sobre o protocolo de comunicação com as famílias sobre o prazo máximo das sepulturas temporárias, mas não obteve retorno até a publicação da reportagem.

Cemitérios de Santo Amaro, Várzea e Casa Amarela lideram lista de descartes não solicitados, seguidos pelos mortuários de Tejipió e do Parque das Flores. | Foto: Reprodução / Emlurb

O resultado são espaços de luto coletivo que refletem no Brasil a gentrificação característica do urbanismo de Recife. De um lado, famílias como os Arraes-Campos, Magalhães, Coimbra, Fittipaldi, Lucena e outras com sepulturas gloriosas preservadas na estrutura e na história. Pais, mães e irmãos providos do privilégio de visitar seus entes queridos no Dia de Finados, de contar aos seus filhos os feitos dos seus bisavós e se emocionar por fazer parte de uma família admirada pela sociedade.

Do outro, Mariza, Cláudia, Allan, Cauã, Margarete, Everton, Mércia, Carol e muitos outros. A maioria pobres, moradores da periferia, esquecidos pela história. Enterraram quem amavam em uma vala com rachaduras, não tinham dinheiro para um jazigo perpétuo, e a legislação não impediu o cemitério de jogar o corpo fora. Sem túmulos para visitar e reavivar as lembranças. “Mas não tem mais o que fazer, né?”, se conforma Mariza. “Só crer que ele tá num lugar melhor.”

Editado por: Geisa Marques

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