O ato contra a PEC da Blindagem e os projetos de anistia que tramitam no Congresso Nacional, marcado para a tarde deste domingo, na capital paulista, começou antes mesmo do horário marcado. Por volta das 13h, já era possível notar a grande concentração de pessoas nos arredores do MASP (Museu de Arte de São Paulo), na avenida Paulista.
Nem mesmo a chuva que começou a cair na cidade por volta das 16h, afastou os manifestantes, concentrados nos quarteirões da mais famosa avenida da capital. Segundo a organização do ato, centenas de milhares de pessoas se reuniram para mostrarem sua insatisfação com a votação no Congresso que pretende impedir investigações contra parlamentares, antes de análise prévia das casas legislativas e os projetos que pretendem anistiar ou mesmo diminuir as penas de golpistas.
Segundo Gilmar Mauro, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), o ato deste domingo foi o início da “primavera do povo brasileiro em luta”. “Hoje, nós estamos antecipando a primavera, que começa oficialmente amanhã. No final do dia, nós vamos poder falar de milhões contra a anistia aos golpistas, contra a PEC [da Blindagem], e colocar em pauta os temas da classe trabalhadora”, completou .

Deram o tom para o ato, não apenas as tradicionais bandeiras dos partidos e sindicatos, mas também cartazes populares que revelavam a insatisfação do povo com a condução da política nacional no Congresso. Mesmo pautas como o PL da Devastação foram lembradas pelos manifestantes na avenida Paulista.
“Hoje é um dia histórico. Hoje, a esquerda brasileira retomou o protagonismo das ruas nesse país”, disse o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL-SP). “E as coisas ficaram claras. Existem dois projetos em disputa no país: o primeiro é o nosso, que está aqui. É o projeto que diz que o Congresso, a política, tem que servir para o povo e não o contrário”, completou.
Ao longo da semana, artistas declararam apoio ao ato popular e confirmaram presença no encontro. O cantor Otto destacou que “a manifestação está linda, mas o principal é o povo ter consciência do que tem dentro daquele Congresso e ter o direito de acabar com isso”. “Não é acabar o Congresso, mas é moraliza-lo. Tem coisas que não dá pra aceitar”, explicou o artista.

Quem passou pela Paulista também fez questão de mostrar sua indignação com os parlamentares brasileiros. Para a advogada Glaucia Avellar, “esse protesto mostra a insatisfação do povo, porque a gente lutou tanto para ter uma Constituição cidadã, que respeitasse o direito do povo. Eles estão representando a gente, só que não. Eles estão preocupados em se poupar, se blindarem e não irem presos. Eu vim pela importância do povo na rua, porque político só tem medo de povo na rua”, completou a advogada.
Muitos manifestantes lembraram que o PL da Anistia, que se transformou em um projeto que prevê redução de pena aos envolvidos na tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023, são uma afronta ao povo. “A anistia é um escárnio. A história recente do Brasil mostra que essa balela de anistia não deu certo, porque eles voltam. Muitos dos que estão aí agora querendo anistia foram patrocinadores da ditadura, sempre defenderam a ditadura”, explicou Valéria Ferreira, servidora pública federal.
Recado para o Congresso
“Depois do ato de hoje, a PEC da Bandidagem será enterrada”, decretou a deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP). O recado lembrado pela parlamentar psolista é o mesmo que circulou durante a semana, após a aprovação da pauta na Câmara.
Senadores de diversos partidos foram categóricos em dizer que não há qualquer chance de que a pauta que blinda os parlamentares de investigações não deve seguir no Senado. O relator da matéria, Alessandro Vieira (MDB-SE) inclusive já antecipou sua posição. “Recebi do presidente da CCJ a missão de relatar a chamada PEC da Blindagem no Senado. Minha posição sobre o tema é pública e o relatório será pela rejeição, demonstrando tecnicamente os enormes prejuízos que essa proposta pode causar aos brasileiros”, disse Vieira.

Para a deputada Sâmia Bomfim, “as reações daqueles que votaram a favor e depois se arrependeram já era uma sinalização da força que agora se materializou”. Mas, segundo a psolista, o recado das ruas também se estende ao deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), “de que também não é simples para o relator, ir para uma linha de redução de pena, que na prática significa uma anistia branda”.
“Ao depender do quanto se reduz, pode significar regime aberto, pode significar progressão, ou seja, se ele insiste em fazer uma sinalização para os golpistas, ele tem um limite do que ele pode fazer, e o limite é imposto pelo povo brasileiro”, completou.
A deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) também ressaltou que os atos históricos deste domingo são um recado para quem defende a anistia. “Aqueles que atentaram contra a nossa democracia não serão anistiados. O Brasil, pela primeira vez, pode reparar essa história de dor, de desigualdade, marcada pelo que foi a ditadura militar, onde nunca um golpista foi condenado”.
“Agora, Bolsonaro, você vai dar lição para golpista. Você vai para cadeia, para ensinar que aqui, não. Essa gente que carrega o país nas costas não quer anistia, não quer PEC da Bandidagem, esse povo quer comida, quer salário, quer descanso, quer igualdade. E nós precisamos continuar a tomar de maneira muito grandiosa as ruas e o parlamento e eleger uma bancada de esquerda aguerrida em 2026, para ajudar o presidente Lula a governar esse país”.

Um domingo histórico
Já beirava às 17h quando, no Rio de Janeiro, Caetano Veloso deu início ao ato no Posto 5 da Praia de Copacabana. O dia histórico ainda reuniu Djavan, Gilberto Gil, Chico Buarque, Geraldo Azevedo, Ivan Lins, Lenine, entre outros, retomando a participação dos artistas em atos importantíssimos do Brasil, como a Passeata dos Cem Mil, em 1968.
“Nós já passamos por momentos parecidos, sempre buscando a autonomia do nosso povo e esse é um desses momentos”, disse Gilberto Gil.
Em Salvador, a manifestação teve apoio da cantora Daniela Mercury e do ator Wagner Moura, que dançaram juntos sobre o carro de som diante da orla lotada de manifestantes no Morro do Cristo.
“Sem anistia, porque foi essa lei, essa lei da anistia, num país que esculhamba sua memória, com uma lei como aquela que a gente teve antigamente… É por causa daquela lei que a gente teve Bolsonaro. E isso não pode acontecer nunca mais”, declarou o ator, em referência à Lei da Anistia decretada em 1979, durante a ditadura militar. A norma permitiu o perdão aos torturadores.
Pelo menos 19 capitais registraram atos contra a PEC da Blindagem e o PL da Anistia ao longo deste demingo.
Fotos: Lucas Porto