Uma nova modalidade de entrega do iFood tem sido o principal alvo de críticas dos trabalhadores de aplicativo por aprofundar a precarização e rebaixar da taxa mínima conquistada pela categoria no breque nacional. As denominadas “subpraças” pagam R$ 3,30 por entrega, praticamente metade do valor fixado no último reajuste, além de condições que configuram possível irregularidade trabalhista, segundo denúncia enviada ao Ministério Público do Trabalho no Rio de Janeiro (MPT-RJ).
Com a promessa de “otimizar os ganhos” para os adeptos, o iFood chama de +Entrega o agendamento em áreas delimitadas pela plataforma, chamadas subpraças. A justificativa é de entregas mais rápidas, e deslocamentos menores. O entregador que cumprir o horário e aceitar todas as rotas, recebe um valor fixo pelo turno e outro por pedido. No site, a empresa afirma que complementa a diferença caso a soma dos ganhos não atinga o “mínimo garantido”, mas não informa o valor.
Na prática, a nova regra condiciona a remuneração à permanência no local e horário estipulados pela empresa; e ao cumprimento de metas consideradas rígidas por entregadores ouvidos pela reportagem.
O agendamento por subpraça ainda não tem previsão para ser implementado no Rio de Janeiro. A novidade, no entanto, tem causado insatisfação em cidades como São Paulo, Curitiba (PR), Recife (PE), Fortaleza (CE) e Belo Horizonte (MG), onde a funcionalidade começou a operar. Em Campinas (SP), entregadores paralisaram três dias contra a modalidade, e novos breques podem ocorrer.
Trabalhadores sem direitos
O advogado trabalhista Hugo Ottati vê nas subpraças mais uma investida da empresa na precarização e superexploração da categoria. “O iFood impõe nesse momento uma modalidade que amplia a submissão [dos entregadores] ao controle da plataforma, prevendo meta, horário fixo, área de restrição”, afirma.
Em nota ao Brasil de Fato, o iFood afirmou que o objetivo da iniciativa é oferecer maiores ganhos, estabilidade e previsibilidade, “permitindo que os entregadores planejem melhor suas metas e tenham rentabilidade no fim do dia, mesmo em períodos de menor demanda”.
Embora a adesão seja divulgada como opcional, uma das vantagens oferecidas é justamente a prioridade dos pedidos na região. Ainda assim, o iFood sustenta que é uma simples questão de escolha: quem preferir, pode continuar operando no modelo tradicional (Nuvem), “sem impactos na nota de avaliação na plataforma”.
“O que tem se denunciado a partir dos entregadores é que aqueles que faziam entregas em determinadas áreas passaram a não receber mais corridas [fora da nova modalidade], permanecendo horas sem receber uma entrega”, constata Ottati.
A observação do advogado se confirma no relato de Amsterdan Sousa, do Movimento dos Trabalhadores Sem Direitos (MTD) e Voz dos Entregadores, conhecido como Mister. “O iFood causou uma espécie de escassez, fazendo com que o entregador fique mais tempo na plataforma e ainda mais refém”, explica. Ele roda desde 2019 na região metropolitana do Rio de Janeiro, e iniciou uma mobilização na categoria para barrar que as subpraças cheguem ao estado.
“O entregador tem que agendar um horário na plataforma, ficar online e ali recebe prioridade nos pedidos daquela região, só que tem vários problemas por trás. Para o entregador que não conseguir agendar, aquele dia está perdido porque as entregas serão de preferência de quem agendou. Isso de certa forma prejudica todos que dependem do aplicativo para levar o sustento para dentro de casa”, pondera Mister.
Denúncia chega ao MPT
Os vereadores do Rio Thais Ferreira e Rick Azevedo, do Psol, formalizaram uma denúncia ao Ministério Público do Trabalho (MPT-RJ) pedindo apuração de supostas irregularidades trabalhistas praticadas pelo iFood. Segundo o documento, as condições impostas na modalidade subpraça configuram controle de jornada, subordinação direta e imposição de metas.
“Tais práticas revelam indícios robustos de fraude trabalhista, pois impõem aos entregadores os deveres próprios da CLT (controle de jornada, cumprimento de ordens, subordinação direta e metas) sem assegurar os direitos correlatos (férias, 13º salário, FGTS, previdência social, seguro acidente e descanso semanal remunerado)”, afirma o texto.
Outra iniciativa da vereadora Ferreira na Câmara busca proibir a modalidade na cidade do Rio, bem como qualquer outra forma de agendamento que imponha a obrigatoriedade de permanecer em determinada área geográfica delimitada pela plataforma; perda de flexibilidade no exercício da atividade; submissão a valores inferiores à taxa mínima vigente; e exclusão de promoções e incentivos como em dias de alta demanda, clima adverso ou fins de semana.
Ausência de vínculo
A assessoria de imprensa do iFood reforçou a ausência de vínculo empregatício dos entregadores cadastrados na plataforma. “Eles podem ligar e desligar o aplicativo a seu critério, decidir o local onde oferecerão seus serviços, rejeitar entregas que não considerem favoráveis, sem qualquer penalidade, e escolher a rota de entrega que considerarem mais adequada”, afirmou.
“Há entendimento predominante do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a ausência de vínculo empregatício entre serviços de intermediação e entregadores. O Governo Federal e a Advocacia-Geral da União (AGU) também já reconheceram a natureza autônoma da atividade”, conclui a empresa.
Para o advogado trabalhista Hugo Ottati, independente de decisões que negam o vínculo, a precarização configura a lógica flagrante por trás dos aplicativos que pregam uma ideia falseada de liberdade. Por não ser regulamentado, as plataformas atuam no Brasil desconstruindo as bases da proteção social e dos direitos trabalhistas, analisa Ottati.
“Em síntese é uma liberdade fingida típica do discurso neoliberal entre aceitar e se enquadrar naquilo que a empresa quer, submetido ao controle excessivo do trabalho, corridas determinadas pela empresa, áreas delimitadas, precificação que a empresa impõe, as normas, e consequentemente as punições, enfim, toda uma organização algorítmica de controle e exploração pela empresa, ou ficar sem trabalho. É isso que se denuncia há anos, essa superexploração de um trabalho desregulamentado e precarizado que conta ainda, infelizmente, com a chancela do STF”, finaliza.