O Cine Brasília foi palco na noite deste sábado (20) da cerimônia de encerramento do 58º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. De acordo com a organização, o evento contou a circulação de 39 mil pessoas ao longo dos 9 dias de atividades.
A edição histórica, que comemora os 60 anos do festival, distribuiu um total de 50 prêmios aos filmes e profissionais participantes da seleção. A produção que mais se destacou é a distopia Futuro Futuro, do diretor gaúcho Davi Pretto. Essa ficção científica foi agraciada com o troféu Candango de Melhor Longa-Metragem pelo Júri Oficial, Melhor Roteiro, Melhor Montagem e uma Menção Honrosa do Júri para o ator protagonista Zé Maria Pescador.
O enredo aborda tecnologias de inteligência artificial como pivô de uma nova síndrome neurológica em um futuro próximo. Entre memórias perdidas e reconstituídas num emaranhado de delírios induzidos pela tecnologia, o personagem conhecido simplesmente como K atravessa a cidade em que recursos de última geração convivem com as ruínas da crise social e da repressão.
Emocionado, Davi Pretto agradeceu o reconhecimento e celebrou a experiência do Festival como um todo: “Eu cheguei aqui no primeiro dia e tive o privilégio de poder passar uma semana aqui vendo filme, da mostra Caleidoscópio, da retrospectiva, todos os filmes da mostra competitiva, os curtas, os longas”.
“Estou muito honrado de ver tantos gestos de cinema tão fortes que mexeram tanto comigo. E não falo isso da boca para fora mesmo, falo isso como cinéfilo, de amar cinema e de ver filme, e de que ver filme é a maneira da gente também continuar”, destacou o cineasta.
A decisão do júri oficial foi distinta das demais premiações. Enquanto a Crítica elegeu o cearense Morte e Vida Madalena, de Guto Parente, como o melhor filme, o Prêmio do Público foi para o thriller com elementos de comédia Assalto à Brasileira, produção paulista dirigida por José Eduardo Belmonte.

Um dos momentos mais especiais da noite foi a homenagem ao legado dramatúrgico de Fernanda Montenegro, que também havia sido premiada pelo Festival como melhor atriz na edição de 1965 por sua participação no filme A Falecida, de Leon Hirszman, que também fez parte da mostra não-competitiva. A atriz não compareceu, mas enviou um vídeo emocionante relembrando sua trajetória e sua ligação com o festival.
Mostra Brasília
Na Mostra Brasília, que concorria ao 27º Troféu Câmara Legislativa do Distrito Federal, os filmes premiados dividiram o total de R$ 290 mil em premiações oferecidas pela Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF).
O grande vencedor foi Maré Viva, Maré Morta, de Cláudia Daibert, laureado como Melhor Longa-metragem tanto pelo júri oficial quanto pelo popular. O documentário também foi reconhecido com os prêmios de Melhor Edição de Som e o Prêmio Sesc. O filme retrata os mundos de Berna e Zélia, duas mulheres que cuidam de diferentes unidades de conservação marinha. Além da necessidade óbvia de preservar esses ambientes, mergulha em suas histórias, relacionamentos e cotidianos. As mudanças das marés revelam coragem, calor, morte e vida.

Na categoria de curtas, Rainha, de Raul Lima, foi eleito o Melhor Curta pelo Júri Popular e também recebeu os troféus de Melhor Montagem e Melhor Trilha Sonora. Já o júri oficial escolheu Três, de Lila Foster, como o Melhor Curta-metragem. Um dos grandes destaques da competição foi a atriz Tuanny de Araújo, premiada com o Candango de Melhor Atriz por suas atuações em dois filmes concorrentes: Terra e Notas Sobre a Identidade.
Já na Mostra Caleidoscópio, os vencedores do Troféu Candango foram julgados por um júri internacional, em uma parceria inédita com a Federação Internacional de Críticos de Cinema (Fipresci). O título de Melhor Longa-metragem ficou com Uma Baleia Pode Ser Despedaçada Como uma Escola de Samba. Além disso, o Júri Jovem da UnB subiu ao palco para anunciar seu favorito, agraciado com o Prêmio Jean-Claude Bernardet: Atravessa Minha Carne, de Marcela Borela.
Júri Popular
Pelo Júri Popular, o vencedor da noite foi Assalto à Brasileira, de José Eduardo Belmonte, cineasta formado pela Universidade de Brasília (UnB). O longa, baseado em uma história real de um assalto ocorrido em 1987, também garantiu a Belmonte os prêmios de Melhor Ator para Murilo Benício e Melhor Ator Coadjuvante para Christian Malheiros.
Na categoria de curtas-metragens, o documentário Laudelina e a Felicidade Guerreira, de Milena Manfredini, venceu pelo Júri Oficial da Mostra Competitiva Nacional. Laudelina de Campos Melo foi uma pioneira fundamental na luta pelos direitos das trabalhadoras domésticas no Brasil e fundou a primeira associação da categoria no país. Milena resgata esse legado e dedicou o prêmio às empregadas domésticas e à inspiração cinematográfica de Zózimo Bulbul.
Já o prêmio do Júri Popular para curtas foi para Couraça, dirigido pelos baianos Susan Kalik e Daniel Arcades. A obra retrata os últimos dias do cangaço após a queda de Lampião. O enredo central segue um trio de protagonistas em fuga. Uma cangaceira prestes a dar à luz e dois colegas de bando que mantêm um relacionamento homoafetivo. Juntos, eles se empenham na difícil missão de conduzir a gestante em segurança até o refúgio da casa de sua mãe.
Celebração e protesto
Vários posicionamentos sobre o atual momento político no Brasil também fizeram parte das manifestações do prêmio, tanto em relação à conjuntura política geral (contra a PEC da blindagem, por exemplo) quanto às formas de fomento e distribuição de filmes. As atrizes Maeve Jinkings e Bárbara Colen, que conduziram a cerimônia, leram a Carta de Brasília com a resolução das pautas políticas da conferência do evento como “mensagem de urgência e mobilização”.

De acordo com a coordenação do Festival, o audiovisual brasileiro vive um momento de conquistas e reconhecimentos internacionais, mas também de grande preocupação. Ao mesmo tempo em que coleta grandes prêmios e revela talentos, o setor se mantém colhendo frutos de políticas passadas. “O que nos angustia é o futuro, diante da falta de políticas estruturantes no presente”, afirmaram em nota lida ao público.
O espaço foi aberto para dar força à principal pauta política do evento e dos colaboradores de cinema, a regulação das plataformas de vídeo sob demanda (streaming). “É muito importante que o governo celebre os nossos talentos, mas mais importante do que ações simbólicas seria ver o governo colocando energia na defesa da regulação do streaming”, declaram.
Considerando a realidade em que o mercado segue entregue às big techs e com carência de regulação afeta diretamente a questão que tem sido a nova bandeira do governo federal: “Sem soberania cultural não há soberania econômica e política. O Conselho Superior de Cinema está esvaziado. O fundo setorial não tem previsibilidade e planejamento. E a regulação do vídeo sob demanda continua sem receber a devida prioridade do governo Lula”.
O diretor de Morte e Vida Madalena, Guto Parente, concordou apontando para “a importância da regulamentação dos streamings. A gente precisa de um Estado protegendo o nosso cinema, protegendo a nossa cultura, senão a gente vai ser devorado por essas big techs, senão a gente vai virar uma colônia – e a gente não quer isso”.
A produtora de Futuro Futuro, Paola Wink, também aproveitou: “quero fazer um apelo para a Ancine e o Fundo Setorial, pra gente retomar as políticas de apoio e investimentos a filmes, como o Prodecine 5, que premiam filmes que são artísticos, autorais. A gente precisa dessas linguagens, desses projetos, a gente precisa dessas vozes”.
Balanço do evento e próxima edição
O Festival contabilizou um público total de quase 40 mil pessoas em todas as suas atividades e gerou 571 empregos diretos e indiretos.
A maior parte do público – 35 mil espectadores – concentrou-se no Cine Brasília, espaço que sediou a Mostra Competitiva Nacional, a Mostra Brasília, o Festivalzinho (voltado para o público infantojuvenil) e outras mostras paralelas.
O festival também ampliou seu alcance além do eixo central, realizando exibições que atraíram quase 5 mil pessoas em equipamentos culturais localizados em diferentes regiões administrativas. As sessões ocorreram no Complexo Cultural de Planaltina, no Complexo Cultural Samambaia e em unidades do Sesc: Paulo Gracindo (Gama), Newton Rossi (Ceilândia), Silvio Barbato (Setor Comercial Sul) e Ary Barroso (504 Sul).
Durante a cerimônia, a Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal confirmou que o 59º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro ocorrerá entre 11 e 19 de setembro de 2026.
Confira a lista completa dos vencedores do 58º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro
MOSTRA BRASÍLIA – 27º Troféu Câmara Legislativa do Distrito Federal
- Prêmio SESC-DF de Cinema: Maré Viva, Maré Morta, de Cláudia Daibert; Rainha, de Raul de Lima; Dois Turnos, de Pedro Leitão; e O Cheiro do seu Cabelo, de Clara Maria Matos
- Melhor Montagem: Raul de Lima (Rainha)
- Melhor Edição de Som: Olivia Hernandez (Maré Viva, Maré Morta)
- Melhor Trilha Sonora: C-Afrobrasil (Rainha)
- Melhor Direção de Arte: Douglas Queiroz (A Última Noite da Rádio)
- Melhor Fotografia: Elder Miranda Jr (Dois Turnos)
- Melhor Ator: Leonardo Vieira Teles (A Última Noite da Rádio)
- Melhor Atriz: Tuanny de Araújo (Terra e Notas Sobre a Identidade)
- Melhor Roteiro: Clara Maria Matos (O Cheiro do Seu Cabelo)
- Melhor Direção: Edileuza Penha e Edymara Diniz (Vozes e Vãos)
- Melhor Curta-Metragem (Júri Oficial): Três, de Lila Foster
- Melhor Curta-Metragem (Júri Popular): Rainha, de Raul de Lima
- Melhor Longa-Metragem (Júri Oficial): Maré Viva, Maré Morta, de Cláudia Daibert
- Melhor Longa-Metragem (Júri Popular): Maré Viva, Maré Morta, de Cláudia Daibert
MOSTRA COMPETITIVA NACIONAL – CURTA-METRAGEM – Troféu Candango
- Melhor Montagem: Laudelina e a Felicidade Guerreira, de Milena Manfredini
- Melhor Edição de Som: Replika, de Piratá Waurá e Helisa Passos
- Melhor Trilha Sonora: Paulo Gama (Ajude os Menor)
- Melhor Direção de Arte: Rosana Urbes (Safo)
- Melhor Fotografia: Daniel Tancredi (A Pele do Ouro)
- Melhor Ator: Os 4 “Menor” (Ajude os Menor)
- Melhor Atriz: Laís Machado (Couraça)
- Melhor Roteiro: Patri, Marcela Ulhôa, Daniel Tancredi e Yare Perdomo (A Pele do Ouro)
- Melhor Direção: Piratá Waurá e Heloísa Passos (Replika)
- Melhor Curta-Metragem (Júri Oficial): Laudelina e a Felicidade Guerreira, de Milena Manfredini
- Melhor Curta-Metragem (Júri Popular): Couraça, de Susan Kalil e Daniel Arcades
MOSTRA COMPETITIVA NACIONAL – LONGA-METRAGEM – Troféu Candango
- Melhor Montagem: Bruno Carboni (Futuro Futuro)
- Melhor Edição de Som: Bruno Alves (Corpo da Paz)
- Melhor Trilha Sonora: Haley Guimarães (Corpo da Paz)
- Melhor Direção de Arte: Romero Sousa (Corpo da Paz)
- Melhor Fotografia: Rodolpho Barros (Corpo da Paz)
- Melhor Ator: Murilo Benício (Assalto à Brasileira)
- Melhor Atriz: Dhara Lopes (Quatro Meninas)
- Melhor Ator Coadjuvante: Christian Malheiros (Assalto à Brasileira)
- Melhor Atriz Coadjuvante: Maria Ibrain (Quatro Meninas)
- Melhor Roteiro: Davi Pretto (Futuro Futuro)
- Melhor Direção: Karol Maia (Aqui Não Entra Luz)
- Melhor Longa-Metragem (Júri Oficial): Futuro Futuro, de Davi Pretto
- Melhor Longa-Metragem (Júri Popular): Assalto à Brasileira, de José Eduardo Belmonte
- Prêmio Especial do Júri: Quatro Meninas, de Karen Suzane
- Menção Honrosa do Júri: Zé Maria Pescador (Futuro Futuro)
MOSTRA CALEIDOSCÓPIO – Troféu Candango
- Melhor Filme (Júri Fipresci – Federação Internacional de Críticos de Cinema): Uma Baleia Pode Ser Despedaçada Como uma Escola de Samba, de Marina Meliande e Felipe Bragança
- Melhor Filme – Prêmio Jean-Claude Bernardet (Júri Jovem UnB): Atravessa Minha Carne, de Marcela Borela
PRÊMIOS ESPECIAIS
- Melhor Filme de Temática Afirmativa (Júri CODIPIR – Conselho Distrital de Promoção da Igualdade Racial): Laudelina e a Felicidade Guerreira, de Milena Manfredini
- Prêmio Canal Brasil de Curtas (Melhor Curta-Metragem): Couraça, de Susan Kalil e Daniel Arcades
- Prêmio Canal Like (Melhor Longa-Metragem Júri Oficial): Futuro Futuro, de Davi Pretto
- Troféu Saruê Correio Brasiliense (Melhor Momento do Festival): José Eduardo Belmonte
- Prêmio Marco Antônio Guimarães (Melhor uso de material de memória, pesquisa e arquivo – Júri CPCB): Sérgio Mamberti – Memórias do Brasil, de Evaldo Mocarzel
- Melhor Curta-Metragem (Júri da Associação Brasileira dos Críticos de Cinema): Laudelina e a Felicidade Guerreira, de Milena Manfredini
- Melhor Longa-Metragem (Júri da Associação Brasileira dos Críticos de Cinema): Morte e Vida Madalena, de Guto Parente
- Prêmio Zózimo Bulbul de Melhor Curta-Metragem (Júri Apan e Centro Afrocarioca de Cinema): Laudelina e a Felicidade Guerreira, de Milena Manfredini
- Prêmio Zózimo Bulbul de Melhor Longa-Metragem (Júri Apan e Centro Afrocarioca de Cinema): Aqui Não Entra Luz, de Karol Maia
- Menção Honrosa Zózimo Bulbul: Cantô meu Alvará, de Marcelo Lin