Em meio ao tensionamento das relações diplomáticas entre Brasil e EUA, os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Donald Trump travaram duelo de narrativas que se equilibraram em duras críticas do mandatário brasileiro e um tom elogioso por parte do republicano, mas que pode representar uma armadilha.
Esse é o resumo da análise da cientista política Tathiana Chicarino e do especialista em comunicação política Amauri Chamorro, que, em entrevista ao Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato, avaliaram os discursos dos dois líderes na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU). O evento aconteceu nesta terça-feira (23), em Nova York.
Lula abriu a sessão, como é tradição, e fez duras críticas a “candidatos a autocratas”, às sanções impostas pelos EUA contra ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e defendeu a soberania brasileira, além de condenar o genocídio contra palestinos em Gaza. “O discurso de Lula foi bastante incisivo, com posicionamentos bastante claros não só para o público interno, mas especialmente para o público externo”, avaliou Chicarino, destacando que o Brasil se colocou “como um ator fundamental em um contexto em que as democracias no Ocidente vêm sendo colocadas à prova”.
Na sequência, Trump falou por cerca de uma hora. Ele atacou a ONU, desacreditou a ciência climática, ameaçou usar força militar contra supostas gangues venezuelanas e, em meio a esse tom, surpreendeu ao anunciar que pedirá um encontro com Lula, dizendo ter sentido “excelente química” no breve cumprimento que tiveram nos corredores da assembleia. Para Chamorro, o discurso tinha foco doméstico. “O discurso dele foi orientado aos Estados Unidos, mais do que ao mundo.”
Chicarino lembrou que o contexto internacional se conecta diretamente à conjuntura brasileira. No mesmo discurso em que Lula falou de soberania e democracia, ele também citou os “falsos patriotas” que atacam o país. “A conjuntura realmente mudou. Estamos observando uma perda de poder de mobilização e de articulação da extrema direita”, disse, em referência às recentes mobilizações de rua contra a anistia a golpistas. Apesar disso, a cientista política alerta que “eles ainda mantêm uma capilaridade nas redes sociais e uma máquina de desinformação.”
Já Chamorro destacou que Trump mantém um estilo de comunicação voltado a gerar impacto na opinião pública. “Ele não é um líder que vai construir através do diálogo, é um líder da violência, da força bruta”, afirmou o especialista. Para ele, o presidente usa a estratégia da economia da atenção. “O importante é que as pessoas estejam olhando e falando de você. E nisso o Donald Trump é invencível.”
Clima e COP30
No plano climático, Lula reforçou a importância da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30), que será realizada em novembro em Belém (PA), e pediu ações concretas contra o aquecimento global. A cientista política Thatiana Chicarino vê a possibilidade de esse discurso dar um novo fôlego à conferência. “Pode ser que esse discurso estimule mais as pessoas e os dirigentes porque ele fala enfaticamente que agora nós não estamos mais na fase de pensar, mas de agir”, indicou.
Ao comparar os discursos, ela ressaltou que Lula tratou a soberania como uma defesa dos interesses nacionais em diálogo com o multilateralismo, enquanto Trump negou o papel da ONU e rejeitou acordos globais. “Trump não é só um negacionista climático, como negacionista da ciência de forma geral”, afirmou. Na síntese da cientista política, o contraste ficou claro na ONU. “Lula tem um discurso que é bastante institucionalizante. Já Trump tem um discurso desinstitucionalizante, percebe-se que é tudo em torno dele próprio, nada é em defesa de alguma instituição”, analisou.
Encontro ‘armadilha’ de Lula e Trump
Outro ponto de destaque foi o aceno direto de Trump ao Brasil. Ao anunciar publicamente a intenção de se reunir com Lula, com quem teria sentido uma “excelente química”, nas suas palavras, o republicano recuou em parte do tom agressivo das recentes sanções impostas ao país. “É uma vitória histórica do Brasil nesse enfrentamento. O Brasil não deu um passo atrás, não cedeu nenhum milímetro”, avaliou o especialista em comunicação política Amauri Chamorro. Para ele, “não há no mundo algum país que não tenha armas nucleares que tenha enfrentado os Estados Unidos como o presidente Lula fez nesses últimos anos.”
Por fim, o analista alertou que o possível encontro anunciado por Trump terá um peso simbólico e riscos calculados. “Vai ser o momento de uma armadilha para deixar o presidente Lula numa situação absolutamente desconfortável. Essa construção, esses detalhes são fundamentais para a opinião pública interpretar que o Brasil não cedeu e não cederá e que o presidente Lula saiu vitorioso, como é o caso nesse momento”, projeta.
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