Em discurso errático repleto de fake news, ataques e autoelogios, na Organização das Nações Unidas (ONU), nesta terça-feira (23), o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, elogiou o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva e disse que os dois líderes vão ter um encontro bilateral na semana que vem.
“Estava entrando [no plenário] e o líder do Brasil estava saindo. Nós demos um abraço e concordamos em nos reunir na próxima semana. Não tivemos muito tempo, mas gostei dele, ele gostou de mim. Só faço negócios com pessoas que eu gosto”, disse ele.
Trump repetiu que as tarifas de 50% nas exportações brasileiras para os EUA são decorrentes do “cerceamento da liberdade de cidadãos estadunidenses pelo Brasil” e que o país teria no passado se aproveitado de governos fracos dos EUA.
“Sinto muito que o Brasil não esteja muito bem e vai continuar assim. Eles só poderão se dar bem se trabalharem conosco”, afirmou.
Discurso errático
Durante o pronunciamento, Trump disse ter resolvido os problemas econômicos de seu país, que merece o prêmio Nobel da Paz por ter “encerrado sete guerras” e atacou a própria ONU e países como Irã e China. Durante o discurso, o magnata disparou contra inúmeros alvos, frequentemente usando argumentos contestáveis.
Donald Trump abriu sua fala com os “maiores sucessos” de seus primeiros oito meses de mandato. Ele enumerou uma série de razões pelas quais acredita que os Estados Unidos estão em sua “era de ouro”, pintando um quadro róseo da economia de seu país, dizendo que a inflação e o desemprego caíram e a única coisa que subiu foram as transações financeiras. Ele também dedicou parte do discurso a falar sobre a repressão à imigração em seu segundo mandato.
“Quero agradecer a El Salvador pelo trabalho bem-sucedido e profissional que realizou ao receber e prender tantos criminosos que entraram em nosso país. Foi sob o governo anterior que o número bateu recorde, e todos eles estão sendo retirados.”
Trump repetiu sua afirmação questionável de que “encerrou sete guerras” desde que retornou ao cargo. “A ONU tem um potencial tremendo. Eu sempre disse isso”, disse o presidente. “Tudo o que eles parecem fazer é escrever uma carta com palavras muito fortes e nunca dar seguimento a essa carta. São palavras vazias, e palavras vazias não resolvem guerras. A única coisa que resolve guerras e guerras é ação.”
Trump diz ter colocado fim, por exemplo, às tensões entre Paquistão e Índia, que existem há anos. Após quatro dias de ataques, o presidente estadunidense postou que os países haviam concordado com um cessar-fogo imediato após “uma longa noite de negociações mediada pelos Estados Unidos”.
A Índia, no entanto, minimizou os relatos sobre o envolvimento de Trump e disse que as negociações foram realizadas diretamente entre as nações envolvidas “por meio dos canais existentes estabelecidos entre os dois exércitos”.
Embora Trump tenha reconhecido brevemente que “precisamos parar a guerra em Gaza imediatamente”, ele não mencionou o agravamento da crise humanitária ou o genocídio palestino cometido por Israel. “Precisamos resgatar os reféns. Queremos todos os 20 de volta. Não queremos dois e quatro”, disse Trump.
O presidente estadunidense então divagou, criticando a reforma física do complexo das Nações Unidas, com foco especial na escada rolante que não estaria funcionando. Trump afirmou que “caso a Rússia não esteja pronta para fechar um acordo para encerrar a guerra, os Estados Unidos estão totalmente preparados para impor uma rodada muito forte de tarifas poderosas”. Ele repreendeu os aliados europeus e disse que eles “teriam que se juntar” aos EUA “adotando exatamente as mesmas medidas”.
“Vocês estão muito mais perto da cidade. Temos um oceano no meio. Vocês estão bem ali, e a Europa precisa intensificar a pressão. Eles não podem continuar fazendo o que estão fazendo. Estão comprando petróleo e gás da Rússia.”
Trump disse ainda, sem apresentar provas, que a ONU estaria financiando a imigração descontrolada, atacou a ciência, negou o aquecimento global e índices como o de pegada de carbono seriam “palhaçada”. Segundo ele, a energia verde estaria “destruindo a Europa”.
O presidente dos EUA disse ainda a Venezuela favorece o tráfico de drogas e que irá se voltar para destruir os cartéis de drogas que acabam com centenas de milhares de vidas nos EUA.
Reunião com aliados e questão palestina
Este foi o primeiro discurso de Trump desde que voltou ao poder, em janeiro, com uma política externa que estremeceu a ordem mundial. Ele subiu ao palco depois do secretário-geral da ONU, António Guterres, e do brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, um dos líderes mundiais que sofre mais duramente os efeitos da política nacionalista e tarifária de Washington.
O governo dos Estados Unidos, que adotou tarifas extraordinárias de 50% contra produtos do Brasil, anunciou novas sanções contra a esposa do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e medidas contra outras figuras do Estado na segunda-feira (21) devido à condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Trump deve se reunir posteriormente com um de seus aliados declarados na região, o argentino Javier Milei, cujo país aguarda a ajuda de Washington para enfrentar a instabilidade financeira. Também nesta terça, ele deve apresentar sua proposta para o fim do genocídio cometido por Israel em Gaza e o futuro do enclave palestino, em grande parte destruído, a líderes árabes e muçulmanos na terça-feira.
Trump se reunirá com líderes da Arábia Saudita, Catar, Emirados Árabes Unidos, Egito, Jordânia, Turquia, Indonésia e Paquistão. Ele discutirá como os militares israelenses podem se retirar de Gaza no futuro, como ele quer que os líderes regionais enviem tropas para manter a ordem e como um processo de transição e reconstrução pode começar e ser financiado, disseram fontes israelenses e árabes não identificadas ao Canal 12 de Israel e à emissora Axios, sediada nos EUA.
Defensor da doutrina “Estados Unidos em primeiro lugar”, Trump optou por uma política externa bilateral, dizendo que fóruns como a Assembleia Geral da ONU servem apenas, em sua opinião, para discursos desafiadores.
França, Reino Unido, Canadá, Austrália e Portugal decidiram reconhecer o Estado Palestino às vésperas da reunião anual da ONU, apesar das críticas de Washington e do governo israelense.
Os aliados de Washington se mostram, por outro lado, magoados e surpresos com o abandono das instituições internacionais, a interrupção da ajuda internacional e as tarifas comerciais. Na América Latina, Trump escolheu o caminho das armas para enfrentar o narcotráfico, com ataques letais contra embarcações que supostamente transportavam drogas no Caribe.
As ofensivas provocaram alarme na região, mas Trump também conta com aliados como El Salvador, que colabora estreitamente com as deportações de imigrantes sem documentos.