A venda da Companhia de Tecnologia da Informação e Comunicação do Paraná (Celepar), empresa que concentra os dados sigilosos dos paranaenses, é alvo de discussão de uma audiência pública na Câmara dos Deputados, nesta terça-feria (23). O argumento é que, além dos dados dos cidadãos do Paraná, informações sigilosas de brasileiros também podem ser expostas. A discussão é promovida pelo deputado federal Tadeu Veneri (PT-PR). No Paraná, o Tribunal de Contas do Estado (TCE-PR) acatou um pedido da oposição e suspendeu cautelarmente o processo de privatização. O Tribunal e a oposição entendem que o processo não tem sido transparente e ainda pode levar a um apagão de gestão. Por outro lado, a expectativa do Governo do Paraná é que o leilão ocorra ainda em novembro deste ano. O governo não enviou representantes à audiência.
Proponente da audiência, o deputado federal Tadeu Veneri afirmou que a Celepar é a última empresa pública do Paraná que não foi privatizada. “A venda está sendo feita em um processo obscuro. Mas nós sabemos que o lucro é o alvo. E o interesse público está fora dessa operação, que se sobressai por ser a primeira empresa pública de tecnologia no país a ser vendida”, disse.
Para ele, a Celepar não pode passar à esfera privada, em nenhuma circunstância, por estar no controle de todos os dados dos paranaenses. “A privatização afronta a Lei de Proteção de Dados. É um crime contra a população que ficará à mercê dos interesses privados sem nenhuma forma de proteção. Temos a expectativa que o Tribunal de Contas da União se manifeste porque há irregularidades gritantes no processo, como a exigência feita pelo governador do Paraná a todos os setores da administração pública de extensão de todos os contratos com a Celepar por cinco anos”, solicitou Veneri.
O deputado estadual Arilson Chiorato (PT) listou diversas irregularidades no processo de venda da Celepar e também de divulgação de dados sigilosos dos paranaenses. “A Procuradoria do Estado do Paraná autorizou acesso aos dados para uma empresa terceirizada, recebendo acesso a informações privilegiadas. Uma contratação sem licitação. Além disso, há um processo de fornecimento de dados para uma empresa espanhola em um contrato de R$ 250 milhões de reais, contratações duplicadas, um contrato com a empresa Google por R$ 670 milhões sem licitação”, alertou o deputado.
Arilson ainda criticou a iniciativa de vender dados sigilosos dos paranaenses. “O presidente da Celepar fez um vídeo dizendo que ia monetizar os dados do povo paranaense e, após a repercussão negativa, apagou o vídeo”, comentou.
O tema foi trazido a público do Brasil de Fato Paraná. A reportagem teve acesso a um vídeo em que o diretor-presidente da empresa, André Gustavo Garbosa, sugere a comercialização de dados. “Imagina o seguinte cenário: vai ter alta temporada no litoral. Eu sou dono de uma mercearia ou lojinha e quero saber o que o pessoal anda comprando. Essas informações nós temos, e a gente pode vender. A venda de informações é um negócio em que todo mundo ganha. Isso é a monetização de dados, e nós estamos trabalhando forte na Celepar”, afirmou.

A deputada federal Lenir de Assis (PT-PR) também demonstrou preocupação. “Mais uma vez o estado do Paraná nos envergonha. O governo Ratinho Junior (PSD) e seus aliados estão expondo dados que protegem os cidadãos. Todos nós temos dados que estão sob a guarda do estado que fornecemos em algum momento e o que se pretende é vender”, criticou.
O processo de venda da Celepar (Empresa de Tecnologia da Informação e Comunicação do Paraná) segue suspenso pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-PR). A manutenção da interrupção ocorreu após o conselheiro Fernando Guimarães pedir vistas do processo no último dia 17. A discussão pode ser retomada na semana que vem. No entanto, o pedido de vistas pode durar quatro semanas. Enquanto isso, realizaram um abraço simbólico no prédio do Tribunal como forma de agradecer a paralisação da privatização da empresa que concentra dados sigilosos dos paranaenses.
Em sua manifestação, o advogado Dorival Assi Junior, que representa o diretório estadual do PT-PR em pedidos de suspensão e cancelamento da venda da Celepar, sustentou a preocupação com a possibilidade de novos contratos sem licitação e a exposição de dados pessoais públicos para interesses privados.
Soberania digital em risco
Jonsue Trapp Martins, do Comitê de Trabalhadores contra a Privatização da Celepar, argumentou que a empresa é referência em serviço público na área de tecnologia. “Quando a gente fala de venda da Celepar, estamos falando da soberania digital do Paraná e do Brasil”, alerta. Para ele, é inexplicável essa privatização. Para ele, além do risco de exposição de dados, a venda pode levar a um apagão de dados em diversas áreas. “A Celepar faz a máquina pública ser ágil digitalmente, resultado de um trabalho de 60 anos”, completou.
O representante dos funcionários ainda criticou a falta de transparência e debate antes da venda. “A gente conversou com os deputados de situação e oposição. A base aliada disse que entendia os riscos, mas não poderia votar contra o governo. A lei foi aprovada em apenas oito dias e sem discussão alguma. Disseram que o modelo ia ser discutido e até hoje o governo não esclarece nada em nenhuma audiência pública”, denunciou Jonsue.
A preocupação com o sigilo dos dados também foi externada por Márcia Honda, da Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Processamento de Dados (Fenadados). “Há um lobby gigantesco das big techs que está encontrando resistência dos funcionários da Celepar que defendem a existência de uma empresa pública como pilar da soberania digital brasileira”, observou.

Outro preocupado com os dados dos cidadãos é o advogado Paulo Jordanesson de Carvalho Marcos, funcionário da Celepar. “A empresa tem importante função de implementação de políticas públicas. A venda acaba com o interesse público e vira um comércio com dados das pessoas”, reforçou.
Ele resgatou que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) tentou privatizar a Serpro (Empresa Nacional de Inteligência em Governo Digital e Tecnologia da Informação) e o Ministério Público Federal (MPF) emitiu nota técnica contrariamente à venda por entender que a empresa trata e armazena dados relacionadas à segurança do Estado, em confronto a LGPDO (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais).
Para Fabrício Guimarães Lopes, da Agência Nacional de Dados, a decisão política do Paraná traz grandes riscos à proteção de dados. “Dados de segurança, saúde, educação podem ficar expostos”, disse. Ele ainda comentou que a busca pelo lucro pode diminuir os gastos com a proteção de dados.