Nas áreas rurais do Brasil muitas mulheres vivem ameaçadas e sem proteção. O tema é pouco visível, embora os números revelem uma realidade alarmante. Isoladas geograficamente, com menor acesso a serviços públicos, transporte, segurança e mecanismos de denúncia, muitas delas vivem sob risco constante, sem que o problema alcance a devida dimensão no debate público.
O Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023 mostra que 1,9% dos feminicídios do país ocorreram em zonas rurais. Pode parecer um percentual pequeno, mas é preciso considerar que a subnotificação nessas regiões é alta e a distância de delegacias e serviços especializados impede muitas vítimas de denunciarem.
No Rio Grande do Sul, durante o primeiro semestre de 2024 foram registradas 417 vítimas de violência em 216 ocorrências, enquanto no mesmo período de 2023 o número havia sido de 840 vítimas em 306 ações violentas, segundo informações do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan-RS).
Um estudo publicado na Revista Ciência & Saúde Coletiva, Scielo, 2019, indica ainda que mulheres jovens, com baixa escolaridade e que vivem em piores condições de saúde mental apresentam maior prevalência de violência nas zonas rurais.
Essa vulnerabilidade é acentuada pela desigualdade estrutural. Levantamento do Ministério dos Direitos Humanos aponta que mulheres do campo, da floresta e das águas têm níveis de escolaridade e acesso a serviços básicos muito inferiores à média nacional.
Não é apenas no espaço privado que a violência se manifesta. Lideranças femininas em comunidades rurais, quilombolas ou extrativistas relatam sofrer mais ameaças e intimidações do que os homens, segundo debate realizado pela Secretaria de Políticas para as Mulheres da Bahia, em 2024. Essa constatação evidencia que a violência também é política e busca silenciar vozes femininas que ousam desafiar estruturas de poder locais.
Diante desse quadro, não basta repetir estatísticas. Será preciso reconhecer que o feminicídio e a violência no campo são problemas de cidadania e democracia. Aonde a denúncia não chega, impera a impunidade. Onde o Estado não alcança, reina o medo.
Romper esse ciclo exige políticas públicas específicas a fim de ampliar a rede de proteção, garantir transporte e comunicação, capacitar agentes comunitários, investir em educação e presença policial efetiva.
Ignorar as mulheres do campo é perpetuar uma dupla exclusão. De direitos e de dignidade.
*Ana Saugo é publicitária, ativista dos Direitos Humanos, membro do Operativo do Levante Feminista do RS e integrante do Comitê Político Nacional da Campanha Levante Feminista.
**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.