Após dois anos à frente do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Luís Roberto Barroso passará o cargo a Edson Fachin nesta segunda-feira (29), em meio à série de sanções dos EUA e tensionamento com o Congresso.
Em entrevista à Folha de S.Paulo, Barroso passou à limpo sua trajetória na mais alta Corte do país, falou de seu voto que levou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à prisão, os abusos da operação Lava Jato e saiu em defesa da democracia.
“Os sistemas de representação política se desgastaram em todo o mundo. A economia do conhecimento, decorrente da revolução tecnológica, criou grandes fortunas e alguns achatamentos sociais. Houve, ao mesmo tempo, um avanço importante dos direitos das mulheres, das pessoas negras, da comunidade LGBTQIA+, das pessoas com deficiência, das populações indígenas. E a parcela da sociedade que estava no topo, branca, heterossexual e masculina, digamos assim, perdeu a hegemonia. Tudo isso abriu espaço para o populismo autoritário que, em várias partes do mundo, uniu excluídos e ricos contra um sistema, o da democracia, que é o melhor de todos, mas que ainda não entregou todas as suas promessas”, avaliou.
Barroso afirmou que não se arrepende de seu voto por ocasião da Lava Jato, que acabou por levar Lula à prisão, mas admite que os movimentos do ex-juiz Sérgio Moro e sua equipe terminaram por colocar a operação em descrédito. “Efetivamente, muita gente, que eu acho que merecia, foi presa. Mas, olhando a operação hoje, eu identifico que havia uma certa obsessão pelo ex-presidente Lula que se manifestou em erros muito claros. Ela revelou um país feio e desonesto. Mas, em algum momento, se perdeu nos excessos e terminou se politizando”, criticou.
Também disse que, apesar da reaproximação com o atual presidente, o voto dele nunca foi tema de conversas entre os dois. “O presidente é um homem que já esteve tempo suficiente no sereno para entender qual é o papel de um juiz que cumpriu”, opinou.
Ainda sobre Lula, Barroso afirmou que, ao analisar os governos a partir da redemocratização, de Collor até Lula 3, houve avanços inéditos sob o atual mandatário na realidade brasileira. “Nós melhoramos em tudo. E os governos Lula foram, objetivamente, os que tiveram os melhores indicadores. Sou juiz, e juiz não deve ter preferências políticas. Mas este é um fato”, disse.
Ao definir o petista como “uma pessoa agradável e carismática” conta que até mesmo a sogra, que não era simpática ao líder, mudou de ideia ao conhecê-lo. “Minha sogra, que é holandesa, não tinha muita simpatia por ele. Mas, em dez minutos, Lula arrumou uma fã apaixonada.”
Relação “cordial” com Bolsonaro
Luís Roberto Barroso avaliou como cordial sua relação com o ex-presidente Jair Bolsonaro, mas destacou que, em temas relevantes, eles não estabeleceram conexão. “As interações pessoais eram cordiais. Mas quando me opus, como era meu dever, à volta do voto impresso, ouvi dele diversas grosserias”, contou. O ministro revelou que fez indicações a Bolsonaro para o Ministério da Educação, mas os nomes acabaram não sendo considerados.
Ele defende que o ponto de virada da relação do ex-presidente com o STF foi a pandemia de Covid-19. “Foi um confronto mais ostensivo. E aquilo, de certa forma, uniu o tribunal. O Supremo tomou seguidas decisões para que os municípios adotassem medidas de isolamento social, determinou um plano de vacinação. O Supremo teve um papel que salvou muitas vidas”, defendeu.
Com relação à discussão da Lei da Anistia, que, com as mudanças em curso no Congresso, trata agora sobre alterações na dosimetria da pena dos condenados pela tentativa de golpe de Estado, incluindo Bolsonaro, Barroso se posiciona de forma bastante crítica. “Discutir anistia ou redução de pena antes de o julgamento ser concluído, ou logo depois dele, não me parece ser o melhor senso de oportunidade”, afirmou. E elogiou as mobilizações que colocaram fim à PEC da Blindagem. “Eu vi com bom sentimento a retomada dessa agenda pelo pensamento progressista. Há um tempo atrás, ser contra a corrupção era coisa de direita. Mas ser contra a corrupção não tem ideologia. A integridade vem antes de questões ideológicas”.
Questionado sobre a Lei Magnitsky, que sancionou colegas de Corte como Alexandre de Moraes, e a possível vinculação desse fato com sua decisão sobre a permanência ou saída do STF, Barroso nega que esteja indiferente, mas frisa que “a vida continua”. “Sair ou não do STF, hoje, tem mais a ver com a exposição pública pessoal, sobretudo dos meus filhos e das pessoas com quem me relaciono. Minha mulher sofria imensamente [Tereza faleceu em 2023]”, afirmou.
“Tenho relações acadêmicas e amigos queridos no país. Então é uma chateação para mim. Agora, eu vivo a vida como ela vem, entende? Tenho convites para ir à França, à Alemanha, à Itália, e a minha vida continua”, conclui.
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