Enquanto o país se ocupa com influenciadores e notícias passageiras, o samba perdeu um de seus maiores compositores. Cria de Realengo, na zona oeste do Rio de Janeiro, Marquinho PQD faleceu nesta segunda-feira (29), aos 66 anos, deixando uma lacuna imensa na música popular brasileira.
Em 2023, o compositor havia celebrado 40 anos de carreira. Seu nome artístico trazia a marca de sua origem como paraquedista do Exército, mas foi no samba que PQD encontrou o espaço para voar mais alto e inscrever sua poesia no imaginário coletivo do Brasil.
Autor de inúmeros sucessos, PQD tem sua obra eternizada nas vozes de alguns dos maiores intérpretes do país: Zeca Pagodinho, Beth Carvalho, Jorge Aragão, Fundo de Quintal, Jovelina Pérola Negra, Roberto Ribeiro, Agepê, Reinaldo, Almir Guineto, Alcione, Grupo Molejo, Exaltasamba, Pixote, entre tantos outros.
No carnaval, também fez história como autor de sambas-enredo da Mocidade Independente de Padre Miguel, assinando obras em 1995 e 2000. Apesar dessa grandiosidade, Marquinho viveu de forma simples e com muito menos reconhecimento do que merecia.
Não é raro que frequentadores de rodas de samba cantem seus versos sem sequer saber quem os escreveu.
Essa invisibilidade reflete a forma como o Brasil trata muitos de seus verdadeiros artistas: vindos das periferias e subúrbios, são eles que moldam a identidade cultural do país, mas sem ocupar o espaço midiático que deveria acompanhá-los.
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Enquanto “virgínias e tigrinhos” ocupam as manchetes e alimentam o imaginário de sucesso, PQD partiu sem que o grande público lhe prestasse a homenagem em vida que sua obra exigia. Essa contradição nos faz refletir: que tipo de arte e de consciência cultural estamos consumindo e reproduzindo?
A zona oeste, no entanto, não esquece. Realengo se reconhece em sua trajetória: um bairro trabalhador, de gente batalhadora, que encontra no samba sua mais alta expressão. Marquinho PQD é parte da história do samba, mas também da história da zona oeste do Rio, território que segue pulsando criatividade e resistência cultural.
Mais do que lamentar a perda, é preciso reafirmar a grandeza de sua obra e perpetuar sua memória. O Brasil pode até não ter dado a PQD o devido reconhecimento em vida, mas cada samba cantado, cada roda animada por suas composições e cada desfile embalado por seus versos continuarão a ecoar sua presença.
*Isa Lealll é cria de Bangu, artista da música e coordenadora do coletivo Zona Oeste Ativa (ZOA), que atua na democratização do acesso à cultura na periferia.
**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.