A promessa de transformar a educação em um direito fundamental, bandeira do governo de Gustavo Petro, trouxe avanços mensuráveis. O principal deles foi a “matrícula zero”, que prevê gratuidade na taxa de entrada na universidade e ampliou o acesso ao ensino superior. Dados oficiais do Sistema Nacional de Informação da Educação Superior (Snies) mostram que, em 2024, a Colômbia alcançou 2.553.560 estudantes matriculados, um aumento de 3,1% em relação ao ano anterior.
Desse total, 1.401.639 estavam em instituições públicas, o que representa 54,9% da matrícula nacional. O Ministério da Educação projeta que, até o fim de 2025, 906 mil estudantes estarão matriculados gratuitamente, o que equivaleria a cerca de 65% do universo atual de matrículas nas universidades públicas.
A política de gratuidade tornou-se símbolo dos avanços recentes, mas também da memória de luta. Pilar Liscano, da plataforma Ciudadanos para la Paz, lembra que a iniciativa não nasceu como concessão governamental. “A matrícula zero é uma bandeira histórica do movimento estudantil”, afirma.
Ela é formada pela Universidade Pedagógica Nacional, uma instituição pública federal na capital Bogotá, e até hoje atua próximo do movimento estudantil. “Aqui na Pedagógica houve greve de fome depois da pandemia; estudantes se amarraram às portas da universidade. Não foi só vontade política de Petro, foi pressão social”.
A chegada de Petro ao poder não pode ser compreendida sem o contexto da revolta popular de 2021, uma greve geral considerada a maior mobilização social da história da Colômbia, protagonizada por jovens e estudantes. A repressão do governo de extrema direita de Iván Duque foi intensa: mais de 80 pessoas foram assassinadas e pelo menos 117 perderam a visão parcial ou totalmente.
O levante desgastou o governo Duque e abriu caminho para a vitória de Gustavo Petro e Francia Márquez, à frente da coalizão Pacto Histórico, com a proposta de reformas estruturais nos campos da educação, saúde, trabalho, previdência e agrária.
A política de gratuidade começou de forma temporária em 2021, ainda Duque, como resposta às mobilizações estudantis. No entanto, foi com Gustavo Petro que a matrícula zero se converteu em programa permanente, incorporado ao Orçamento Geral da Nação de 2022. Desde então, tornou-se a base da promessa de universalizar o acesso à educação superior pública no país.
A jornalista Susana Rincón, de Bucaramanga, que participou da greve geral como estudante, reforça que a conquista da gratuidade foi fruto da mobilização: “A mobilização de 2021 recolocou a gratuidade do ensino no centro do debate. Falta muito, mas abrimos a porta do debate e da implementação”.
No campo legislativo, a tentativa de Petro de aprovar uma nova Lei Estatutária de Educação fracassou. O projeto pretendia consagrar a educação como direito fundamental em todos os níveis, mas foi barrado pelo Congresso. O texto substituiria a Lei 30, em vigor desde 1992.
Para Laura Ochoa, liderança política da Cúpula Nacional Popular e integrante da Coordinadora Rebelión Urbana, em Bogotá, o episódio foi sabotagem política: “O Congresso sabotou. Petro negociou com quem promove o fascismo e a guerra. Com a direita não se negocia. São 200 anos de elites decidindo por nós”.

O nó do financiamento e os desafios estruturais
A expansão da matrícula gratuita esbarrou no orçamento. Pilar Liscano lembra que parte dos estudantes chegou a perder o benefício em alguns momentos por falta de recursos: “Não basta uma política que não toque o fundo orçamentário. Sem financiamento estável, a porta abre e fecha”.
Para além da questão orçamentária, há também críticas à forma como se define a gestão do sistema. “Quem decide as grades curriculares das universidades? Quem administra nossas instituições? Muitas vezes são reitores ou ministros que são empresários, ou profissionais sem experiência em sistemas educativos. Isso impede o avanço real dos índices de educação no país”, questiona Pilar.
Mas o governo registra avanços importantes. Segundo o ministério, a taxa de transição imediata do ensino médio para o superior chegou a 45,94% em 2024, com diferença marcante entre zonas urbanas (51,05%) e rurais (29,97%).
Os avanços regionais foram expressivos: Vaupés (40%), Amazonas (21%), Vichada (19%), San Andrés e Providencia (15%), Guainía (14%), Guaviare (13%) e Putumayo (10%).
Ainda assim, Cristian Eduardo Arias, advogado da Fundação Creciendo Unidos, que atua com jovens em Cúcuta, Tibú e Sardinata, na região do Catatumbo (Norte de Santander), destaca que o desafio real está na presença das universidades nos territórios de fronteira e no conflito armado.
“No papel, a cobertura avança. Na prática, a universidade não chega ao rural. Muitas vezes nem o ensino médio. Em Tibú está sendo construída a Universidade Nacional do Catatumbo para cinco municípios, mas funcionar nesse contexto é difícil, com presença de grupos armados.”
A Universidade Nacional do Catatumbo, em construção no município de El Tarra (Norte de Santander), é considerada um dos projetos mais simbólicos do governo Petro para levar educação superior a regiões historicamente afetadas pelo conflito armado. O projeto foi anunciado em 2022, mas só ganhou impulso em janeiro de 2025, quando a Agência de Renovação do Território assinou o início das obras.
Além do projeto no Catatumbo, o governo Petro anunciou a criação de novas sedes universitárias em regiões historicamente excluídas, como Sevilla (Valle del Cauca) e Suárez (Cauca), onde foi entregue a primeira instituição de ensino superior do município com cursos técnicos e tecnológicos. No total, o Plano Nacional de Desenvolvimento fala em até 26 novas universidades para ampliar em 500 mil as vagas na educação superior.
Segundo dados do Ministério da Educação, a Colômbia conta hoje com 305 instituições de ensino superior ativas, sendo 87 públicas e 218 privadas. Apesar da forte presença do setor privado, os últimos anos marcaram uma mudança importante: em 2024, pela primeira vez, mais da metade dos estudantes do país estavam matriculados em universidades públicas (54,9% do total).
“As privadas são empresas. Elas vivem de captar recursos que deveriam fortalecer o público. Elas funcionam como barreira contra a educação como direito”, afirma Susana Rincón, comunicadora social formada em Bucaramanga por uma instituição privada.
Para ela, estudar em uma universidade paga não significou ficar de fora da luta: “Na greve de 2021, organizamos coletivos dentro das privadas, porque entendíamos que a gratuidade não é só uma bandeira de quem está no setor público. É um direito de todos e precisa de apoio amplo”.

Permanência
Mas não basta entrar, é preciso permanecer. Enquanto as universidades nacionais contam com mais apoio institucional, estaduais e municipais enfrentam condições mais precárias.
Segundo o Ministério da Educação, a taxa anual de evasão caiu para menos de 8% pela primeira vez, atribuída a políticas de permanência como residências, alimentação e apoio psicossocial. Mesmo assim, os relatos estudantis indicam que a permanência segue sendo o elo mais frágil.
Em Medellín (Antioquia), Felipe Teodio, estudante de Educação Física no Politécnico Colombiano Jaime Isaza Cadavid e integrante da Juntanza Estudiantil Independiente y Popular, relata que os avanços nacionais da reforma esbarram em obstáculos locais, como a política do governo do estado de Antioquia, que ameaça reduzir orçamentos e avançar na privatização.
No cotidiano, as carências são sentidas de forma direta: “Na nossa universidade são 13 mil alunos, mas só 700 ou 800 têm alimentação por dia. Os cupos são paupérrimos. Matrícula zero ajuda, mas sem moradia, transporte e comida, muita gente não aguenta.”
Segundo o estudante, por trás das ações do governo está a intenção de cercear a autonomia universitária. “O que buscam é concentrar o poder no governo e abrir caminho para a privatização, ameaçando a autonomia universitária”, resume Felipe.
“Educação é uma arma poderosa para construir pensamento crítico no território e evitar o recrutamento por grupos armados. Sem escola próxima, sem segurança e sem oportunidades, a juventude não fica”, problematiza Cristian Eduardo Arias, que atua com jovens no Catatumbo.
Ele lembra que muitos estudantes do campo precisam migrar para cidades maiores, mas enfrentam gastos com transporte, alimentação e aluguel que tornam quase impossível se manter. “A reforma resolve no papel, mas na prática o estudante rural continua sem condições de permanência. Mesmo quando há projetos, como a nova universidade do Catatumbo, a violência e a ausência do Estado tornam o caminho cheio de obstáculos”, completa.

Desafio continua após a formatura
O acesso à pós-graduação continua sendo restrito. Os custos elevados tornam quase impossível que estudantes das classes populares avancem na formação. “As carreiras de pós-graduação seguem sendo inalcançáveis para nós. É preciso pensar em um modelo que não só abra as portas da graduação, mas que permita também continuar se formando”, aponta Pilar Liscano.
A crítica se soma à percepção de que o sistema ainda opera sob uma lógica reducionista. “O debate de fundo é se estamos formando cidadãos críticos ou apenas mão de obra barata para o mercado”, acrescenta Pilar.
Outro gargalo é o emprego para os jovens recém-graduados, especialmente nas zonas rurais. “O estudante que chega à capital para estudar precisa se sustentar, mas o que encontra são empregos informais, sem seguridade social. A brecha social é grandíssima e precisa ser trabalhada”, avalia Cristian Eduardo Arias, advogado que atua com juventudes no Catatumbo.
O resultado é o que ele chama de “fuga de inteligências”. “O jovem que consegue se formar em uma região como o Catatumbo dificilmente vai exercer sua profissão ali. Sem oportunidades locais, ele se desloca para as capitais, e o território perde esse conhecimento que tanto precisa”, completa.
Mais conquistas no horizonte
Apesar de o Congresso ter barrado a reforma integral da Lei 30 de 1992, que rege a educação superior na Colômbia, novos avanços pontuais podem ser conquistados ainda este ano.
Na semana passada, o Senado aprovou o projeto de lei do Acordo Nacional pela Educação Superior, proposto por Petro, que propõe reformar os artigos 86 e 87 e estabelecer um novo modelo de financiamento.
O texto garante reajuste automático dos recursos segundo o Índice de Custos da Educação Superior (Ices), prevê a destinação progressiva até 1% do PIB e cria mecanismos cidadãos para fiscalizar a aplicação dos fundos. A iniciativa ainda precisa de dois debates na Câmara de Representantes antes da sanção presidencial, mas já é vista como um marco histórico.
Para Pilar Liscano, trata-se de mais uma vitória parcial conquistada a partir ruas. “Foram mais de dez anos de luta para mudar esses artigos. Mas não é o teto do que queremos: o debate de fundo é sobre todo o modelo educativo”, relembra ela, que ressalta que ainda é preciso garantir que o financiamento se traduza em qualidade, autonomia e permanência para os estudantes.
