Jean Léry, pastor calvinista que veio ao Brasil na expedição que tentou criar aqui uma colônia francesa chamada França Antártica, em 1536, quando voltou à Europa escreveu um livro chamado Viagem à Terra do Brasil.
Um trecho desse livro narra um diálogo dele com um velho tupinambá. Muita gente conhece essa conversa, mas repito aqui porque acho muito interessante. Aí vai:
“Os tupinambás muito se admiram de os franceses e outros estrangeiros se darem ao trabalho de buscar aqui o pau-brasil. Uma vez, um velho me perguntou:
― Por que vocês, franceses e portugueses, vêm buscar lenha tão longe? Não tem madeira na terra de vocês?
Respondi que tínhamos muita, mas não daquela qualidade, e que buscávamos não para queimar, como ele supunha, mas para extrair tinta dela e tingir, como eles mesmos faziam com seus fios de algodão e suas plumas.
O velho retrucou imediatamente:
― E vocês precisam de muito?
― Sim ― respondi. ― No nosso país existem negociantes que possuem mais panos, facas, tesouras, espelhos e outras mercadorias do que vocês podem imaginar, e um só deles compra todo o pau-brasil com que muitos navios voltam carregados.
― Ah! ― retrucou o selvagem. ― Você me conta maravilhas…
E, depois de pensar no que eu disse, acrescentou:
― Mas esses homens tão ricos não morrem?
― Sim ― disse eu. ― Morrem como os outros.
Mas os selvagens são grandes conversadores e costumam ir até o fim em qualquer assunto. Por isso, me perguntou de novo:
― E quando morrem, para quem fica o que deixam?
― Para os seus filhos ― respondi. ― Se não tiver filhos, para os irmãos ou parentes mais próximos.
― Na verdade ― continuou o velho que, como vão ver, não era nenhum imbecil ―, agora vejo que vocês franceses são todos uns doidos varridos, pois atravessam o mar e sofrem grandes incômodos, como dizem quando chegam aqui, e trabalham tanto para amontoar riquezas para seus filhos ou para aqueles que sobrevivem a vocês! Não será a terra que lhes alimentou suficiente para alimentar a eles também? Nós temos pais, mães e filhos a quem amamos, mas estamos certos de que, depois da nossa morte, a terra que nos alimentou também alimentará a eles. Por isso, descansamos sem maiores cuidados.”