De repente, o céu fechou. Tudo ficou escuro em plena hora do almoço. Ia cair aquele toró. As pessoas começaram a correr para se esconder da chuva. As marquises ficaram lotadas. São Pedro ia abrir todas as torneiras de uma vez só.
O trânsito já ficou caótico. Os sinais pararam de funcionar. Ninguém mais respeitava as leis e manobras perigosas eram feitas a toda hora.
Ao longe, escutei sirenes do Samu, da polícia e dos bombeiros. Parece que o caos se instalara. Não é por menos, temporais “atrapalham” a correria do dia a dia das grandes cidades mal planejadas e desiguais ao extremo.
A chuva forte foi passando. Parece que a normalidade começava a retornar. Do meu lado um jovem pediu que lhe pagasse um prato de comida. Ele disse que não comia havia quase um dia. Vi que ele não olhava nos meus olhos. Paguei o prato de comida pra ele. Quando estava indo embora, ele me chamou.
– Sangue bão, muito obrigado pelo rango. Salvou o dia. Agora vou fazer minha correria com o bucho cheio.
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– De nada, irmão. Tamu junto.
Reparei novamente que ele não levantava a cabeça.
Ele soltou:
– Tenho uns sonhos aí.
– Eu também tenho sonho, meu parça. Todo mundo tem, né?
– Mas o meu é sonho mesmo. Tá fodendo com minha vida. Nem namorada tô arrumando.
– De colé que é o sonho, irmão?
– Tô sem dente nenhum na boca. Não tenho nenhum zagueiro, goleiro e atacante.
Fiquei sem chão na hora.
– Você já foi no posto de saúde da quebrada?
– Já. Lá não deu jeito. Tenho vergonha até de conversar. Tá foda, viu!
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– Beleza. Me procura aqui semana que vem. Vou fazer um corre procê. Conheço um povo aí de responsa. Eles podem te ajudar. São uns dentistas sangue B que ajudam a gente. Sabe de colé?
– Colê, irmão. Fechô, então.
– Fechô.
Foi a primeira vez que vi seu rosto. Ele deu um sorriso sincero meio sem graça. Saiu andando empurrando seu carrinho de apanhar material reciclável pelas ruas e lixos da cidade. Deu um tchau de longe e um olhar agradecido. Ainda me mostrou com orgulho a camisa do Real Madrid da época do Cristiano Ronaldo.
Rubinho Giaquinto é covereador pela Coletiva em Belo Horizonte.
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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal
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