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Falta Política na Política

Ninguém quer cargos no governo federal para fazer melhor a coisa pública, é apenas poder pelo poder

Por Joel Martins Cavalcante*
 
Meu amigos/as e alunos/as sempre me perguntam por que não “entro” na política. Eu os respondo com a afirmativa bem aristotélica que já sou político, que todos somos, porque a vida comunitária exige a política para a sua organização. Para alguns, falo da experiência da candidatura coletiva para a Câmara dos Vereadores de João Pessoa em 2020. Fico surpreso de vez ou outra, em festas, aplicativos de encontros, reuniões e  até em terreiros de candomblé e jurema já ter encontrado eleitores da nossa candidatura (fomos cinco pessoas de diversas identidades e representações sociais distintas). Foi uma experiência muito interessante. 

Ao mesmo tempo que falo do 'animal político' que sou e das experiências que tive – inclusive sendo secretário de educação, cultura e esportes de minha cidade natal, Alagoinha-PB – do gosto que tenho pela coisa, externo as 'safadezas' que as relações políticas, ou melhor, que a politicagem impõe a quem adentra nessa selva feroz. 

O caso da ministra Daniela Carneiro, do Turismo, é bem emblemático. Não quero entrar em detalhes sobre como ela ascendeu a esse cargo e do poder que o esposo dela, Waguinho, detém na política fluminense; fica para outra oportunidade. Mas desejo focar no fato de um partido majoritariamente bolsonarista que foi batizado pregando a união pelo Brasil, fazer pressão e ameaças ao governo do presidente Lula para substituir a ministra (que deverá ocorrer breve).

O leitor, sem dúvida, sabe que a eleição presidencial de 2022 não foi fácil. Respeito a opinião de quem pensa diferente, mas a reeleição do outro – que Deus o tenha! – ,seria um desastre para o país. Diante disso, já durante a campanha, alianças contraditórias (que são feitas justamente 
por isso) foram necessárias para derrotar o bolsonarismo. Lula ganhou a eleição, mas não ganhou o governo. As pautas progressistas não são levadas adiante (como a revogação da reforma do ensino médio) e outras, como a organização dos ministérios, vão parecendo papa que o centrão (uma excrescência na política nacional) vai comendo (vide o que ocorreu com os ministérios do meio ambiente e povos originários) pelas  beiradas.

Ninguém governa sem o Congresso Nacional. O povo vota no presidente, mas acha que ele vai governar e colocar em prática o plano de governo apresentado na campanha e tal… Ledo engano. Os deputados federais e senadores estão sempre prontos para chantagear o governo de plantão. Tem gente, como Romero Jucá (lembram dele?), que participou de vários governos de vieses ideológicos distintos, sendo líder de FHC, Lula, Dilma e Temer.

Voltemos ao caso de Daniela. É a mania que tenho que divagar muito nos textos. O marido deixou o União Brasil para ser presidente do Republicanos (nome bonito para um partido, né? Só o nome que presta mesmo) no Rio de Janeiro. A ministra pediu ao TSE desfiliação do partido – que foi eleita deputada federal mais votada – sem perda de mandato. Os unidos pela pátria querem a troca de ministério, mas nem garantem os votos necessários para os projetos que o governo precisa no Congresso – que é caso do marco territorial indígena que deveria ser pauta de  todos/as/es que defendem os direitos humanos. Querem só a troca do titular da pasta, mas sem apresentar nenhum projeto de país. Apenas cargos. Nada mais. Até a cabeça de Nísia Trindade, da Saúde, que vem fazendo um excelente trabalho, o centrão, liderado por Arthur Lira, presidente da Câmara, quer. Querem políticas públicas para o turismo ou para a saúde? Nada…

Por isso, sempre revejo meus desejos políticos (de voltar a ser candidato). A experiência enquanto gestão na secretaria de educação foi mil vezes aquém do que eu esperava. Teve até vereador pedindo para tirar falta de uma cunhada que não tinha ido fazer a merenda na escola. Se a política é arte de governar para o bem da coletividade, a política atual brasileira está distante disso. Ninguém quer cargos no governo federal (aplica-se a mesma coisa a nível estadual e municipal) para fazer melhor a coisa pública, apenas o poder pelo poder. Falta, sem dúvida, política na política nacional.

*Professor de História da Rede Estadual de Ensino da Paraíba, Advogado, Mestre em Educação pela UFPB, Especialista em Educação em Direitos Humanos (UFPB) e em Direitos Fundamentais e Democracia (UEPB). Foi conselheiro suplente do Conselho Estadual de Direitos Humanos da Paraíba (2014-2016) e Secretário de Educação, Cultura e Esportes de Alagoinha – PB (2017). Atua em movimentos sociais ligados aos Direitos Humanos.

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