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A heurística, a computação humana, e nossas necessidades

O que resta é ter ciência de nossas limitações, construir uma sociedade com chance de sermos felizes

Existe um problema ao se construir um sistema puramente lógico em questões complexas: a quantidade de possibilidades. A conclusão de que ‘a’ levará sempre a ‘b’ só é possível para sistemas de pouca complexidade.

Geralmente, em sistemas mais robustos, a complexidade se desenvolve exponencialmente, o que implica em uma necessidade de capacidade computacional que excede nossa atual tecnologia. Isso significa que mesmo os melhores computadores não conseguem ter resposta para problemas demasiadamente complexos, pois as possibilidades se tornam gigantes e isso impossibilita que esses cálculos gerem resultado em um tempo útil.

Um exemplo é a direção de veículos, nós humanos conseguimos dirigir um veículo e cometer poucos erros, porém quando tentamos criar máquinas capazes de dirigir a tarefa se torna muito difícil, já que computar todas as possibilidades de um cenário é simplesmente inviável e faria com que cada movimento do piloto automático demorasse centenas de anos para se realizar. Como nós conseguimos dirigir então? É difícil precisar os mecanismos, mas a computação tem conseguido melhores resultados ao imitar aquilo que aparentamos fazer quando dirigimos um veículo: heurística.

Basicamente, nós não tentamos analisar todas as possibilidades, o que seria muito demorado e gastaria muitos recursos, mas excluímos algumas possibilidades do nosso cálculo e usamos nossa capacidade computacional nas questões que definimos como mais importantes. Ao dirigir, nós excluímos diversas variáveis como “e se um avião cair em cima do carro”, “e se aquela pessoa andando na calçada simplesmente correr para frente do carro”, “e se a pessoa do veículo ao lado dormir no volante”, “e se um meteorito me atingir”, “quantos mol de oxigênio estão presentes no ar?”, “o que é aquele ponto perto da árvore? Quais ações ele pode tomar, qual o seu peso?”.

Em vez disso, nos focamos nas questões mais relevantes e focamos nossa capacidade computacional naquilo que colocamos no grupo das coisas importantes, o que significa que se uma pessoa começar a correr em direção ao veículo, talvez nossa atenção seja voltada para aquilo e uma reação aconteça, mas não estamos sempre pensando nessa possibilidade.

Esse tipo de computação não é perfeita, os acidentes de trânsito são uma evidência disso, porém é a forma mais eficiente. E é o que se tem usado em toda a computação mais avançada que produzimos até aqui. Previsão do tempo, inteligência artificial, nenhuma dessas áreas computa todas as possibilidades, se não você só saberia a previsão do tempo de hoje daqui uns cinquenta, cem anos, talvez mais.

O ponto que desejo enfatizar com essa análise é que a heurística é o que nos faz a espécie mais inteligente do planeta, e a heurística é uma análise do que analisar e do que não analisar, a fuzzy logic é feita dando-se medida e peso relativamente arbitrários a questões objetivas e alterando esses pesos conforme o resultado se aproxima do desejado.

E essa determinação heurística aparentemente está profundamente conectada às nossas emoções. Portanto, quando dizemos que algo mais complexo que uma tabela lógica é lógico, estamos fazendo uma análise emocional do lógico. A posição dos gêneros na sociedade não é lógica, é heurística, é eivada de preconceitos, de padrões.

Portanto, dizer que se fará uma análise lógica de um fenômeno social que é mais complexo do que, por exemplo, as possibilidades de um jogo de xadrez, é se autodenominar ignorante. Na verdade, o argumento da lógica pura é uma defesa emocional para uma heurística disfarçada de verdade. Sim, talvez exista uma verdade verdadeira, um absoluto em um fenômeno social, mas ele ainda nos é inalcançável, e talvez sempre seja.

O que nos resta é ter ciência de nossas limitações e construir uma sociedade em que possamos gerar vidas felizes. E como não temos essa resposta absoluta para tudo, seria bom que fôssemos humildes e heurísticos, tentando garantir aquilo que todos percebemos como vital e importante e sendo mais tolerantes nas questões onde há dúvida, sem deixar de lutar pelo que acreditamos, porém sem defender certezas inabaláveis como se fossem mais lógicas do que o discurso contrário.

Sem antes refletirmos de maneira sincera e considerando nossos preconceitos e aquilo que deixamos de lado, deixamos de analisar.

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