Os tempos são de sombra, à sombra de moralismos pautados pela falocracia dos “homens de bem”. Nesta terra de golpes que dominam as engrenagens do sistema, às mulheres parece reservado o papel de meras suplentes. Eis um circo que se arma e nos desarma para que sejamos tão somente belas, recatadas e do lar. Embaixadoras da boa vontade dos outros.
Porém, enquanto reacionários se articulam para manter seu domínio, o feminino – não o padrão imposto socialmente, mas a condição intrínseca ao gênero (e não ao sexo, como os conservadores postulam) – existe. Resiste. Insiste.
Existe em meio ao assédio, ao estupro e a outras tantas formas de agressão. Resiste à opressão. Insiste em transpor os limites da subserviência.
A arte é ferramenta legítima de existência e resistência e insistência. De transgressão.
É transgredindo que a artista têxtil Eunice Terres borda para transbordar a luta pela igualdade em sua exposição “Entrelaços”, conjunto de microbordados que reatam fios violentamente talhados do macrocosmo feminino.
Mais do que costura, no entanto, o trabalho de Eunice é sutura que faz cicatrizar os perenes atentados à legitimidade de ser mulher soberana do corpo e de seus direitos. Mais do que sutura, é ternura que faz com que os lábios de uma ferida aberta se beijem.
Em seus desenhos, a curitibana dá rosto a figuras que fizeram a diferença por seus atos em vida. Assim, congrega mulheres notórias pela resiliência em sociedades em que a dominação masculina opera como regra. A escolha por nomes-fortaleza como Frida Kahlo ou Olga Benário expõe, mais do que uma intenção artística, a sensibilidade crítica de pautar seus lutos e lutas. Bordar é expressão do feminino. Empodera e fortalece. Nesse manifesto cosido em bordados, Eunice tece sua trama de laços, revelando a sororidade que une em só um corpo-criação a força dos pontos sem nós. De nós.
*Anna Carolina Azevedo é mediadora de leitura e autora do zine Conserva.