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DESPEJO DE DUBAI

Artigo | O despejo de Dubai e a Constituição: há salvação para o Direito?

"Aos olhos do Poder Público, em Dubai não havia seres humanos"

14.dez.2021 às 13h38
João Pessoa (PB)
Agassiz de Almeida Filho

Despejo de Dubai, em João Pessoa, no dia 23 de novembro. - Reprodução

A autora Shoshana Felman afirma que os tribunais são o principal espaço para a reencenação e confirmação dos traumas sociais. A busca da justiça seria substituída pela repetição desses traumas durante o julgamento. Haveria uma negação encoberta da Constituição e dos direitos fundamentais, que se converteriam em meros instrumentos para a legitimação da violência praticada pelo Judiciário. O despejo dos moradores de Dubai, ocupação que se situava na Zona Sul da cidade de João Pessoa, desponta no cenário pré-natalino para confirmar a colocação de Felman.

Quase oitocentas pessoas foram desalojadas. Entre elas, havia crianças, idosos e deficientes, grupos vulneráveis que contam com especial proteção do Direito e das instituições. É o que dizem a Constituição e as leis. Por isso, antes de haver alguma solução adequadamente planejada para o problema da falta de moradia, nenhuma decisão judicial poderia retirar os vulneráveis das suas casas improvisadas. Mas na verdade isso não importa na dinâmica do sistema de justiça. É um detalhe incômodo, um obstáculo, uma irrelevância, dentre tantas outras irrelevâncias jurídicas, que são comuns no funcionamento do aparato institucional. A prática das instituições jurídicas situa os direitos fundamentais como elementos de segunda classe numa ordem jurídica que nem mesmo o sistema de justiça compreende em sua unidade.

Aos olhos do Poder Público, em Dubai não havia seres humanos. Se ao menos uma pessoa reconhecida como tal vivesse na comunidade, o desfecho do caso seria necessariamente outro. Teria que ser. Também não havia homens, mulheres e crianças tratadas como bichos em Dubai. Nem isso. Afinal, nossos avanços civilizacionais consideram que os animais possuem ou deveriam possuir alguma dignidade. Maltratá-los é crime. E ficamos certamente desolados quando alguém abandona um cachorrinho na rua. Um necessário passo na construção da ética para a sociedade tecnológica de que nos fala Hans Jonas.

Em Dubai havia inimigos, indivíduos odiados ou desprezados, portadores dos piores estigmas sociais. São como presidiários que andam a céu aberto sem qualquer pudor, que arrastam a sua miséria, sem casa, sem comida, sem saúde, ignorantes e maltrapilhos, ferindo nossa virtuosa sensibilidade de classe média. Pena de morte pra eles! Que sejam eliminados, torturados e levados para longe. Não desejamos vê-los, nem saber deles. São escória. Temos nojo. O final do ano está chegando, estamos entre amigos e familiares, e Dubai nos permite celebrar o avanço da eugenia social. 

O Direito quase sempre é capturado pelos estigmas sociais. Um deles é a pobreza, mas também a criminalidade, a cor da pele e a falta de moradia. A prefeitura de João Pessoa também informou no processo que os moradores de Dubai prejudicavam o meio ambiente e o urbanismo. Um momento. Não entende o papel da prefeitura no caso? O terreno ocupado pela comunidade Dubai pertence ao município e a ação para despejar as pessoas foi movida pela prefeitura. Sigamos.

Esses estigmas sociais também capturam a perspectiva institucional. A decisão que determinou o despejo de Dubai levou em conta todos eles. Na prática, os direitos das pessoas afetadas foram convertidos em equívocos da Constituição ou em interpretações errôneas das suas normas. Afinal, como é possível atribuir direitos fundamentais a uma criança de sei anos que vive numa comunidade de pessoas sem moradia? No imaginário coletivo, os estigmas sociais podem ou costumam eliminar a humanidade dessas crianças e dos grupos afetados por eles. Os nazistas, por exemplo, precisaram desumanizar os judeus para enviá-los às câmaras de gás e dar origem ao Holocausto. Em pleno processo (judicial) de desumanização, onde fica a ideia de que as decisões judiciais devem se basear no Direito?

A Constituição e as leis, perdidas nos corredores mofados do sistema de justiça, cumpriram o seu papel tradicional em casos que envolvem o direito à moradia dos grupos vulneráveis: justificar a violência cometida contra quem deveria ser protegido pelo Estado. Nada além da mais desavergonhada instrumentalização. Dessa vez, o trauma social foi gerado pelo próprio sistema de justiça. O Ministério Público, a quem cabe proteger os vulneráveis, nada fez. O Judiciário, instância privilegiada de implementação dos direitos fundamentais, investiu ferozmente contra essas pessoas. Diante desse quadro desolador, é preciso perguntar: ainda há salvação para o Direito?

Precisamos fazer uma separação entre o Direito e as instituições que o aplicam. O Direito em si é inevitável. É um dos caminhos para organizar a vida social. Desde tempos imemoriais, com registros arqueológicos que o identificam na pré-história, as normas do Direito estão presentes para determinar o modo como os grupos humanos devem funcionar. No Brasil de hoje, o Direito consagra a dignidade da pessoa humana e a sua proteção em todas as esferas da vida social, com a prevalência dos direitos dos grupos socialmente vulneráveis. Se assim determina o Direito, como explicar juridicamente o despejo de Dubai?

Este é o ponto. Não há justificativa jurídica para esse tipo de decisão. A justificativa real está no mundo das paixões, das ideologias e dos valores, tudo permeado por doses elevadas de indiferença e falta de contato do sistema de justiça com a vida vivida pelas pessoas. As paixões impulsionam o preconceito e o desprezo pelos grupos socialmente vulneráveis. A visão ideológica, por sua vez, muito ligada às paixões, situa a propriedade acima dos demais direitos fundamentais, abraçando uma perspectiva ultraliberal vedada pela Constituição de 88. No propósito de melhorar as condições de vida no país, a ordem constitucional previu a função social da propriedade como única configuração da propriedade privada no Brasil. Os valores, finalmente, justificam subjetivamente a decisão porque o magistrado tem a impressão de que a decisão é adequada porque ele decidiu de acordo com o que pessoalmente considera correto – é o fantasma do livre convencimento motivado assombrando as nossas vidas.

As pessoas, porém, precisam ser julgadas pelo Direito e não por valores, mesmo que eles aparentemente sejam justos e elevados. É fácil entender por que isso é necessário. Uma sociedade não pode contar com a superioridade intelectual e moral de quem quer que seja para solucionar os seus problemas jurídicos. E não pode contar porque essa superioridade é sempre relativa e, via de regra, serve apenas para justificar a arbitrariedade de profissionais vaidosos, autoritários e distanciados dos casos concretos e das suas particularidades. E ninguém deseja ser julgado com base na verdade que os magistrados abraçam como suas. Os antigos tinham razão. O governo das leis é melhor do que o governo dos homens, uma vez que está menos sujeito às emoções e arbitrariedades encontradas na subjetividade de cada pessoa.  

Não pode haver salvação para o Direito quando ele for aplicado com base em paixões, ideologias e valores. E não há salvação porque nessas situações a proteção jurídica desaparece. Não incide sobre o caso. Essa fuga do Direito é uma constatação preocupante e cada vez mais comum. Talvez as preocupações com a Constituição e as leis tenham perdido a importância em um mundo cada vez mais ignorante, autoritário e cínico, presa de um teatro institucional onde quase nada importa além de formalidades, rapapés e manutenção de privilégios. As respostas estão no futuro.

O despejo de Dubai de fato reforça a conclusão de Shoshana Felman de que os tribunais quase sempre atuam para reencenar e confirmar os traumas sociais. Apareceriam, assim, como um contraponto ou uma negação direta do Estado Democrático de Direito. Essa conclusão é importante para explicar essa sensação de inutilidade da justiça que as pessoas vulneráveis vivenciam no seu dia a dia. Também demonstra que a retórica dos direitos é extremamente seletiva numa sociedade como a brasileira, excludente, desigual, autoritária e fundada sobre bases estruturais escravocratas. Em Dubai, o Estado, o Município, o Judiciário e o Ministério Público se uniram para impor o que o Direito não impõe: a violência de Estado à margem do Direito.

Perguntar pela salvação do Direito pode parecer quixotesco. Talvez seja. O despejo de Dubai e a violência contra os direitos fundamentais que ele promoveu gritam para os ouvidos que se dispuserem a ouvir. A realidade do sistema de justiça desconsiderou o Direito, institucionalizando a marginalização social e deixando de lado a proibição de despejar as pessoas durante a pandemia de COVID-19. Até a crise sanitária cede à arbitrariedade do sistema de justiça contra as pessoas que buscam junto ao Poder Público e os movimentos sociais um caminho para a implementação do direito à moradia assegurado pela Constituição. 

Mas a pergunta sobre se o Direito ainda tem salvação é necessária. Afinal, se nós, profissionais do Direito, não servimos para aplicar corretamente a Constituição e as leis, para que servimos os profissionais do Direito?

*Advogado e professor de Direito Constitucional da UEPB. 

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

Editado por: Heloisa De Sousa
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