Com o objetivo de alertar sobre violência sexual contra crianças, e também de hipóteses de aborto legal, diversas entidades realizaram nesta terça-feira (20) colagem de mural em várias cidades do país. A campanha surgiu como iniciativa do grupo de comunicação da Rede Feminista de Saúde Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos (RFS) através de uma articulação com a Coletiva Basuras, com apoio de outras organizações feministas brasileiras como Anis Instituto de Bioética, Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, Grupo Curumim e Portal Catarinas. Foram colados cartazes nas cidades de Porto Alegre, Belo Horizonte, Curitiba, Belém, Recife e Florianópolis.
Na capital gaúcha, os cartazes foram postos no Centro de Referência para Mulheres Mirabal, no Parquinho da Redenção e em condomínio residencial destinado a moradia popular localizado no centro da cidade, todos com autorização. Nesta quinta-feira (22), dois dias após a intervenção, o cartaz do centro da cidade foi retirado por trabalhadores do Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU).
De acordo com integrantes da Rede Feminista de Saúde, os funcionários que realizaram a retirada alegaram que foi uma ordem da Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Conforme relata a entidade, na ocasião alguns moradores tentaram argumentar de que não se tratava de um lambe qualquer, mas sim de uma campanha nacional que visa informar e alertar a sociedade para este tema.
“A área onde foi colado o mural era privada, portanto removê-lo foi um desrespeito tanto com moradores que autorizaram a ação quanto com as adolescentes que se mobilizaram para realizar a ação de colagem do mural. Trabalhadores da prefeitura ignoraram os argumentos dos moradores, agiram com hostilidade e violência de gênero, recusando-se a ouvir uma moradora, tendo escutado apenas quando um morador homem argumentou, mesmo assim tratando-o com desrespeito e agressividade”, expõe a entidade.
Conforme ressalta a Rede, o mural é informativo sobre Direitos Sexuais e Reprodutivos garantidos na legislação brasileira e tem como objetivo informar a sociedade e mobilizar para o cuidado com as nossas meninas. “Foi construído por adolescentes que se sensibilizam e lutam por um futuro seguro para todas, todos e todes nós. As adolescentes que participaram da ação foram contempladas pelo edital #OcupaManaPorJustiçaReprodutiva e atualmente fazem parte do ciclo de formação “Vamos adiar o fim do Mundo”, que tem como um dos objetivos desenvolver ações de mobilização e incidência, como estas em torno dos direitos sexuais e reprodutivos”, detalha.
Após a ocorrência do fato a organização acionou a Frente pela Legalização do Aborto do Rio Grande do Sul (Frepla) que está dando todo o suporte e será enviada uma notificação tanto ao DMLU, quanto à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social exigindo uma explicação. “Pretendemos colocar o mural novamente, pois estes direitos informados podem salvar vidas”, informa a entidade.
O Brasil de Fato RS procurou a Secretaria Municipal de Serviços Urbanos (SMSUrb) que atua na coordenação e no controle de ações de zeladoria urbana, tais como limpeza e manutenção, pedindo um posicionamento. Assim que tiver retorno, publicaremos.
Sobre a ação
A campanha surgiu como iniciativa do grupo de comunicação da Rede Feminista de Saúde Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos através de uma articulação com a Coletiva Basuras e teve o apoio de outras organizações feministas brasileiras como Anis Instituto de Bioética, Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde e Portal Catarinas.
Em 2020, um estudo da Rede Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos do Paraná, divulgado pelo Portal Catarinas, caracterizou as vítimas desta violência, para subsidiar debates sobre políticas públicas necessárias para a garantia dos direitos sexuais e reprodutivos, da educação sexual e reprodutiva nas escolas e nos serviços de saúde, do acesso à contracepção, ao aborto legal e à justiça para punição dos agressores e, por fim e muito importante, a garantia da proteção social destas meninas que provavelmente não contaram com essas políticas públicas disponíveis e efetivas.
Conforme aponta a Rede, a campanha se motiva ainda em razão dos dados obtidos a partir do levantamento feito pela Rede Feminista de Saúde junto ao Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC). De acordo com a entidade, cerca de 25 mil meninas de 10 a 14 anos têm parido outras crianças vivas por ano no Brasil. “Esse dado demonstra a urgência de visibilizarmos o direito ao aborto legal que todas essas meninas e adolescentes têm, pois toda relação sexual com menores de 14 anos caracteriza estupro de vulnerável. A campanha “Criança não é mãe” vem nesta linha, buscando proteger nossas meninas e adolescentes, slogan este que estampava as colagens da campanha”.
A violência sexual contra crianças configura uma grave epidemia no país
Para a entidade, a violência sexual contra crianças é um fenômeno naturalizado, ocultado e silenciado nas famílias brasileiras. Conforme aponta a entidade há muita banalização desta situação "que deveria ser levada com prioridade se queremos garantir vidas dignas às nossas crianças". “Mais de 80% destas violências são cometidas por pessoas conhecidas, tios, pais, amigos, vizinhos, avôs. E por isso esta realidade é complexa e dura de enfrentar, porque está dentro das nossas casas, atravessada por nossos afetos”, pontua.
De acordo com dados extraídos no SinanNet do Ministério da Saúde, em estudo elaborado pelo Núcleo de Vigilância de Doenças e Agravos Não Transmissíveis CEVS/SES/RS (Centro Estadual de Vigilância em Saúde), em 2021 o RS registrou 2.164 notificações de violência sexual para crianças e adolescentes. Conforme dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, menores de idade de até 14 anos compõem 60,6% das vítimas do crime de estupro (cerca de 36,6 mil). Em 86,9%, a vítima é do gênero feminino.
Um estudo feito pela RFS, com dados do SINASC (Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos), destaca 17.579 nascidos vivos de partos de meninas entre 10 e 14 anos no Brasil em 2020. 272 meninas, também violadas, tiveram gestações de natimortos. No RS, 476 meninas foram forçadas a serem mães em 2020.
“É um problema real na sociedade brasileira, que necessita ser amplamente divulgado, cobrando-se a responsabilidade de todos que deveriam proteger essas crianças, a necessidade da ampla divulgação sobre seus direitos, pois a rede intersetorial necessita conhecer com mais profundidade sobre tais garantias. Por rede intersetorial entende-se saúde, conselho tutelar, educação, assistência social, dentre outros.”
Nos murais as entidades destacam os números da violência, assim como uma lista de sugestões para que se adotem medidas concretas, em nível local e estadual.
“As pessoas interessadas em efetivamente enfrentar o problema grave das meninas forçadas a serem mães devem buscar agir localmente sobre o tema – seja para prevenir nova gravidez ou para amparar as meninas que se tornaram mães – seria desejável uma maior integração entre a gestão da saúde, da assistência social e da educação, valendo-se ainda da atuação dos Conselhos Tutelares, dos Conselhos de Direitos da Criança e do Ministério Público, onde for necessário”, finaliza.
Pela sua rede social a entidade lançou uma nota pública sobre o caso.
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